Folha de S. Paulo


Americano do Bauru que já vendeu janela volta aos EUA para pegar Knicks

Michael Appleton/The New York Times
Robert Day durante treino com o Bauru em Nova York
Robert Day durante treino com o Bauru em Nova York

Robert Day achava que sua carreira no basquete havia acabado.

Dez anos atrás, depois de uma passagem perturbadora por um time profissional do México, Day voltou para casa, no Oregon, e para um emprego com seu sogro como vendedor de janelas. Ele tinha uma família para sustentar, com uma filha pequena, e o trabalho o satisfazia. Não demorou a ser promovido e foi encarregado de cuidar dos orçamentos de janelas para casas de alto preço.

"Estava indo tudo muito bem, e minha cabeça não estava mais no basquete", ele disse. "Eu jogava com os amigos aqui e ali, mas não era como se eu sentisse uma necessidade de estar na quadra. Para mim, felicidade era poder sustentar minha mulher e minha filha".

Day jamais teria desconfiado que, alguns meses mais tarde, o mercado de casas desabaria, e isso custaria seu emprego. Ou que ele viria a ressuscitar sua carreira como jogador no México, a única opção que ele tinha naquele momento. Ou que por fim terminaria no Brasil, onde seria eleito por três vezes o melhor jogador do NBB, a principal liga de basquete do país.

Na noite desta quarta-feira (7), tendo percorrido um caminho que ele nem planejou, nem previu, Day se verá no palco mais inesperado de sua carreira: marcará Carmelo Anthony por ao menos parte da partida de pré-temporada entre o seu time, o Bauru, e o New York Knicks, no Madison Square Garden.

"É algo sobre o que você sempre sonha, como profissional do basquete", disse Day, armador arremessador de 1,98 metro e especialista em arremessos de longa distância do Bauru, a equipe brasileira que será a primeira adversária do time remodelado dos Knicks.

Day jogou as seis últimas temporadas no Brasil, as quatro primeiras por um time de Uberlândia onde sua média de pontos por partida nunca ficou abaixo de 17,2, e onde causou sensação na liga ao marcar 50 pontos em seu jogo das estrelas. Os colegas de equipe sabiam que ele gostava de tentar arremessos de três pontos, e por isso não paravam de lhe passar a bola.

"Foi um momento especial", ele disse. "Uma loucura".

Day depois disso se acomodou a um papel coadjuvante no Bauru, uma potência regional. Na temporada passada, teve a média de 10,7 pontos por jogo e acertou 54,4% dos seus arremessos de quadra, ajudando o Bauru a conquistar o título da Liga das Américas, pela Fiba. Mas suas responsabilidades, em quadra e fora dela, são vastas.

Cerca de seis horas depois de chegar a Nova York na manhã de domingo (4), a bordo de um voo comercial vindo de São Paulo, Day e nove de seus colegas de equipe embarcaram em uma van Chevrolet Suburban e partiram rumo norte na rodovia Interstate 87. O destino da expedição? O Woodbury Common Premium Outlets, um shopping de pontas de estoque em Central Valley, Nova York.

Day, que fala português fluentemente, servia como intérprete e guia, função que lhe coube automaticamente como único norte-americano do time. Nenhum dos jogadores, ele disse, parecia estar com sono –não com tantas compras por fazer, e menos ainda tendo diante deles um jogo no Madison Square Garden.

"Acho que a adrenalina está bombando", ele disse.

O ginásio do New York Knicks fica muito longe de Bauru, uma cidade modesta a 750 quilômetros do Rio de Janeiro. E os Knicks jamais estiveram entre os adversários da Universidade do Oeste do Oregon, uma equipe da segunda divisão do basquete universitário norte-americano na qual Day continua a ser o cestinha histórico.

"Sabe aquele jogador com que um treinador sonha?", diz Tim Hills, seu antigo técnico na universidade.

O único contato anterior de Day com a NBA aconteceu no terceiro semestre de 2008, quando ele estava de férias no Oregon depois de mais uma temporada no México. David Lucas, amigo que jogou pela Universidade Estadual do Oregon, chamou Davis para treinar com diversos membros do Portland Trail Blazers na pré-temporada. Por três dias, ele treinou contra jogadores como Steve Blake, Rudy Fernandez e LaMarcus Aldridge.

"No começo todo mundo perguntava quem era aquele cara, e elogiava sua pontaria nos arremessos", conta Lucas, cujo pai, Maurice Lucas, jogou na NBA. "Lembro que os dois armadores principais é que escolhiam os times, e não demorou para que começassem a escolher Rob até antes dos jogadores do Trail Blazers".

Day sabia que sua melhor oportunidade de conseguir um contrato na NBA seria assinar com um time da D-League, a divisão de base da categoria, e esperar que seu jogo chamasse a atenção. Mas ele e a mulher, Reena, já tinham uma filha (e estavam esperando um menino), e Day duvidava que um salário da D-League bastasse para sustentar sua família. Por isso voltou ao México, onde diz que estava bem certo de que um dos times da liga fosse bancado por um cartel do crime organizado. Ele estava lentamente percebendo como funciona a vida à margem da NBA.

"Há muitos jogadores à beira de uma oportunidade", ele disse. "Há muitos jogadores nos elencos dos times que estão lá para desempenhar papéis secundários, e muitos outros jogadores que poderiam tomar seus lugares. Não existe uma diferença enorme de nível de talento".

Lucas, que jogou fora dos Estados Unidos por diversas temporadas, diz que a política muitas vezes influencia na escolha dos jogadores que recebem oportunidades na NBA. A despeito dos seus números espetaculares no basquete universitário, Day não defendia uma universidade renomada no esporte.

"Isso provavelmente o prejudicou", disse Lucas. "Conseguir que as pessoas assistam aos seus jogos é muito difícil. É preciso um treinador especial para dar uma oportunidade a jogadores como ele".

Em 2010, Day estava em busca de emprego mais garantido. Em um percurso repleto de reviravoltas, característico do basquete internacional, um de seus treinadores no México o recomendou a uma equipe da Argentina que estava a caminho da China para um torneio. A viagem foi um sucesso, conta Day, e ele imaginou que pudesse resultar em um contrato na Argentina. Mas a equipe que estava interessada nele preferiu assinar com um ala de força que consumiu boa parte de seu orçamento.

O agente de Day saiu em busca de alternativas, e o Brasil era uma delas. Day aproveitou a oportunidade. Em um país louco pelo futebol, ele logo emergiu como um dos melhores jogadores da liga, demonstrando uma precisão nos arremessos que deslumbra os espectadores. A altura que ele atinge em seus pulos era como uma forma de arte.

"Ele é um dos melhores arremessadores que já vi", disse Lucas.

Day ganha decentemente a vida no Brasil, onde os salários podem superar US$ 20 mil mensais. A família vive com ele em Bauru –ele e a mulher namoravam desde a escola– e os dois filhos do casal estudam em uma escola bilíngue, o que pode ajudar na transição de volta ao Oregon, quando Day decidir se aposentar.

"Robert sempre se mantém em forma", disse Hills, seu antigo treinador na universidade. "Trabalha até cair todos os dias".

Lucas disse que aconselhou Day a saborear todas as posses de bola, contra os Knicks. A mulher de Day assistirá ao jogo no Madison Square Garden, depois de convencer seu pai a viajar ao Brasil para cuidar das crianças. (O Bauru jogará contra o Washington Wizards domingo (11) antes de voltar ao Brasil para o começo de sua temporada, em novembro.)

Hills diz que seu único desejo seria que Day pudesse ter enfrentado um time da NBA dois ou três anos atrás, quando estava no auge da forma.

"Na época em que ele talvez tivesse um pouco mais de vida nas pernas", disse Hills.

Day afirmou que concordava com essa avaliação. Talvez seu jogo tivesse aberto alguns olhos, ele diz, e talvez uma ou duas equipes o considerassem com mais seriedade. Mas agora, ele sabe que sua carreira já está entrando em sua fase final.

Assim, quarta-feira será um dia agridoce para Day, que disse estar grato pelo jogo –seu primeiro encontro com a NBA– estar enfim acontecendo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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