Folha de S. Paulo


Todo mundo no Brasil é um lutador de MMA, diz Belfort

Andre Penner/Associated Press
Belfort durante luta em janeiro de 2013
Belfort durante luta em janeiro de 2013

Após ser nocauteado pelo norte-americano Chris Weidman, em maio, o carioca Vitor Belfort, 38, se prepara para sua próxima luta no UFC (principal circuito de artes marciais mistas), contra o também americano Dan Henderson, no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, no dia 7 de novembro.

Em evento de divulgação do UFC São Paulo, Belfort contou à Folha as suas expectativas para o seu próximo combate e outros temas, como investimento no MMA e o futuro da modalidade.

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MENOS ENTRETENIMENTO
"Vejo que muitos lutadores ganham as lutas falando, criando personagens, e isso me preocupa muito. Hoje nosso esporte não é reconhecido, principalmente no Brasil. Ele é visto como entretenimento ainda. Os atletas querem ser o mais bem pago do UFC e fazem de tudo para agradar a organização, pensando apenas em vender lutas. Eu não preciso vender luta. Não preciso fazer um personagem. Eu sou o Vitor Belfort. Um cara que erra, um cara que acerta. Sou humano. Me fala uma pessoa que pode te apontar o dedo e dizer que você está errado? Eu chego em casa e ouço do meu filho que eu sou o melhor pai do mundo, que eu sou o mesmo cara aqui dentro e lá fora. Isso é uma coisa que me traz alegria. "

TRASH TALKING
"Precisamos de um código moral. Não temos. Aquele 'trashing talking' é uma falta de respeito. Imagine se uma criança chegar em casa e querer falar igual certos lutadores? Não quero que nenhuma criança assista televisão e falar 'quero ser igual a esse cara', que na realidade é um personagem. Como explicar isso para uma criança? Precisamos do código moral não só no esporte, mas também dentro de casa, as pessoas perderam isso. Precisamos conscientizar"

OPORTUNIDADE PELO CINTURÃO
"Falando da categoria, é difícil saber qual vai ser a decisão dos organizadores. Os chefões falam: 'nosso negócio é vender'. O Mayweather, por exemplo, ganha lutas há oito anos sem nocautear. Ele ganha mais dinheiro e mais aquilo, mas será que ele precisa fazer todo esse show para as pessoas verem as suas lutas? Eu não, eu sou eu mesmo. Deve ser entediante você vender um personagem e chegar em casa como uma outra pessoa. Imagine como isso deve ser confuso para as crianças. Então eu decidi vender a minha vida da maneira como eu sou. Mas quem é que vai decidir a luta pelo cinturão são os fãs, eles que vão decidir o que eles querem ver. E eu respeito a organização, porque na realidade isso é um negócio. O meu negócio é vencer. E se fizermos o nosso trabalho bem feito, a gente vai ter o que merece."

TÍTULOS
"Eu já conquistei dois cinturões, já participei de diversas lutas que valiam o cinturão. Mas uma vez cheguei em casa e meu filhos falaram 'papai, tenho um cinturão para você' e eu ganhei o terceiro cinturão da minha filha, que ela fez para mim. E depois daquilo eu pensei 'gente, isso é o verdadeiro cinturão'. Mas tenho objetivos na categoria sim, que é de ganhar esse cinturão e estou lutando por ele."

MUDANÇA DE REGRAS
"A gente precisa ter leis. Isso é muito importante para mim. Quero deixar esse legado para daqui a cem anos e alguém falar: 'poxa, alguém pensou na gente'. Então, por exemplo, será que determinados golpes podem causar paralisia vertebral? Outro exemplo: eu devia ser pago para treinar, mas isso não acontece. Aqui todo mundo ganha salário mensal e eu não. Só ganho quando eu luto. Mas tem lesões, a minha vida não é um mar de rosas. Sou literalmente um gladiador moderno. Com 38 anos de idade eu tenho os meus dias difíceis. Eu gasto uma fortuna e, se eu me machuco ou se a luta é adiada, eu não ganho nada. Tenho que engolir a seco e pedir emprestado, fazer um crédito para ganhar dinheiro lá na frente. É como se voltasse aos anos 60. Como os atletas vão terminar a carreira hoje? Temos que chegar em um acordo que seja bom para todos. Hoje não é para mim. Acontece que nós atletas somos as verdadeiras estrelas do negócio."

ESPORTE OLÍMPICO
"Eu vejo o MMA com todo o potencial para se tornar um esporte olímpico. Imagina se tivesse um MMA com regras olímpicas. Qual o esporte que ganharia do MMA em termos de público? Seriam poucos. Mas precisa de mudanças. Do jeito que está hoje não se torna olímpico. Vai ter que ter regras olímpicas e, com elas, não imagino um atleta tomando cotovelada e sangrando pra caramba em uma lona. Eu discordo disso, acho que podíamos tirar o cotovelo. Nenhuma empresa quer associar sangue a ela. Nenhum esporte do mundo, a não ser o UFC, um cara luta sangrando e a luta não para. O boxe limpa o sangue. E eu penso assim porque eu luto, coloco a minha cara a tapa. Temos que pensar no que venderia mais, no que seria mais seguro para o atleta."

MMA NO BRASIL
"Falta muita coisa. Não sei nem por onde começar. A gente precisa de um anunciante para ter uma equipe de MMA. Tem que ter investimento. Mas eu não posso botar algo para alguém que não tem retorno. E te falo, imagina o medo das pessoas hoje investirem no Brasil? Está todo mundo em dificuldade enorme. É difícil de vender, ninguém tem dinheiro. Porque alguém foi lá e pegou o dinheiro. Quem pegou? Empresário, o PT, empreiteiro. Foi um desvio do caramba e quem paga a conta? Nós pagamos a conta. Então tudo na vida tem consequência. Precisamos que grandes empresários entrem no nosso esporte. Precisamos ter mais televisão apoiando. Tem jogo do Corinthians que passa na Globo e na Band ao mesmo tempo. Por que no UFC não pode ser assim?

OPORTUNIDADES
"É só ver as pesquisas. Futebol e MMA estão juntos. Como eu falei. Para ser jogador de futebol é muito difícil, no MMA não. Às vezes a força de vontade fala mais do que o talento, diferente do futebol. São várias as categorias. O brasileiro é lutador desde a infância, a dona de casa toma cotovelada todos os dias para criar um filho em uma favela. O cara que tem um salario mínimo enfrenta uma guerra diariamente. O brasileiro é um guerreiro, todos os brasileiros são lutadores de MMA. O brasileiro é um lutador por natureza, por isso que é uma paixão nacional. E é muito importante ver que o MMA no Brasil também é solução para uma criança na favela. É um esporte magnífico. Nossa riqueza está nas comunidades, nas favelas. O país é cheio de gente talentosa. Basta investimento, ter visão."

PRECONCEITO
"Com certeza existe e estamos quebrando a cada dia. Todo esporte é agressivo de certa forma, até o ballet é agressivo com o corpo. Acontece que o MMA é um esporte magnífico, que tem a sua violência mas tem a sua beleza"

POPULARIZAÇÃO DO UFC
"Acho que as derrotas [sua própria e as de Anderson Silva] não vão afetar a popularidade do UFC, pelo contrário. Temos que falar do esporte, do MMA em si. Hoje o UFC abre os mercados. Acho que o verdadeiro vencedor é aquele que se supera. Falo para o meu filho: 'se você nunca superou nada, você não é um vencedor'. Ser invicto é uma coisa muito linda, vende muito. Mas acho que é muito mais bonito a superação, o cara que passou dificuldade e deu a volta por cima. Essa é a história da vida. Precisamos ressuscitar, onde você estiver, seja com a família, com o trabalho, tem que ressurgir e a minha ressurreição é diária."

DERROTA PARA WEIDMAN
"Todo mundo ficou frustrado. Imagina eu: com a luta ganha, o cinturão na mão. Frustação é a palavra. Não sou super-herói. Todo mundo tem esse momento de frustração, mas o sol brilha no dia seguinte."

PSICOLÓGICO
"A minha vida é psicológica. Crio três filhos. Você ser uma pessoa que onde você vai as pessoas falam 'você vai ganhar, né?'. Olha a pressão aí, mas lembra que o diamante é feito sobre pressão. Então se você quer ser diamante, você tem que adorar a pressão. Faço dela a minha alegria."

TERAPIA DE REPOSIÇÃO DE TESTOSTERONA
"É uma coisa que existiu, tenho 38 anos e quando você vai ficando mais velho a sua produção de hormônio vai caindo. Hoje em vários esportes o tratamento terapêutico é aceito. No nosso esporte não foi mais e é o que é. Se eu pudesse eu não teria parado. É uma coisa médica, existe um laudo para isso. O que eu fazia era uma coisa terapêutica, não pode mais? Mas muitas coisas podem mudar no esporte o tempo todo. Nem sempre vamos acertar, mas o importante é não parar. Com certeza isso afetou o meu rendimento na luta contra Weidman, quando parei o tratamento. Fiz o tratamento durante anos, imagine um asmático que para de usar a bombinha de asma. Mas consegui me adaptar."

RAIO-X VITOR BELFORT
NOME: Vitor Vieira Belfort

NASCIMENTO: Rio de Janeiro, 1º.abr.1977

ESPECIALIDADE: Boxe

CATEGORIA: Peso-médio

FEITOS NO UFC: Ganhou cinturão dos pesos-pesados e meios-pesados


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