Folha de S. Paulo


Cartola, Léo tenta se calar e segue 'Julião Petruchio' para veteranos

Julia Chequer - 11.abr.2014/Folhapress
O lateral esquerdo Léo durante treino do Santos
O lateral esquerdo Léo durante treino do Santos

Para Leonardo Lourenço Bastos, 39, ser dirigente é um exercício de auto-controle. Um dos jogadores mais vencedores da história do Santos, Léo não gosta nem de dizer que é cartola, embora ocupe cargo no departamento de futebol profissional na Vila Belmiro.

"Pode colocar aí que sou aprendiz de feiticeiro", disse, em entrevista à Folha.

Ele precisa se controlar e ter paciência. Durante os 19 anos em que foi atleta profissional, se acostumou a dizer o que pensa. Mesmo que depois se arrependesse. Após ser campeão brasileiro de 2002 em cima do Corinthians, disse que iria "comer gambá". Já no final da carreira, gozou com o mesmo rival ao declarar que estavam acostumados a viajar de ônibus, não de avião, antes do Mundial de 2012, no Japão. Pediu desculpas.

Para o bem ou para o mal, está na história seu desafio de "vamos ver se esse Barcelona é isso tudo mesmo", meses antes de o Santos enfrentar os espanhóis pelo troféu intercontinental. Os catalães passearam em campo e ganharam por 4 a 0.

Léo nunca foi político. Agora é. Tudo porque colocou na cabeça uma meta que tem fé cega de realizar.

"Daqui a alguns anos, vou ser presidente do Santos, tenho certeza. Agora estou aprendendo. Mas vou ser presidente do Santos. Por enquanto, eu preciso falar pouco e ouvir muito. Estou bem mais cuidadoso. Mais político", completa.

Léo tem evitado dar entrevistas para não cair em tentação. Algo inédito para ele, que sempre falou pelos cotovelos. Só não consegue evitar Robinho e cia. Jogadores que foram seus companheiros de elenco. Com Robinho, Elano e Ricardo Oliveira, foi vice-campeão da Libertadores de 2003. São amigos que ele fez no futebol e agora precisa encarar com certo distanciamento. Não que a estratégia dê certo.

Para os mais veteranos do elenco que o acompanharam nos títulos brasileiros de 2002 e 2004, Léo ainda não é um dirigente. É Julião Petruchio, apelido que recebeu dentro do clube por causa do eterno mau humor e das demonstrações de ranhetice. É alusão a personagem da novela "O Cravo e a Rosa", exibida pela Globo entre 2000 e 2001 e reprisada em 2003.

"Eles sabem que eu estou do outro lado agora e não param de brincar mesmo assim. E não vai mudar. Tenho de aguentar. Acho que, ao mesmo tempo, cria uma relação de confiança", admite.

Apesar das duas décadas no mundo da bola, o ex-lateral gosta de zombar com a condição de estagiário. E um estagiário só abre a boca em uma situação. "Só falo quando sou perguntado. Eu morro de vontade de dar palpite. Mas não digo nada porque existe uma hierarquia", confessa.

Os passos de Léo são dados dentro de um planejamento. No ano passado, ele mergulhou na teoria. Fez curso de gestão esportiva. Agora aprende como as coisas funcionam dentro do futebol na visão de um administrador, não de jogador. Não por acaso, é procurado por quem está perto de ficar sem contrato e sente incerteza quando ao acerto da renovação.

"Eu passei muito por isso. Há assuntos que são arrastados e não devem ser. No momento, estou tentando mostrar para o presidente [Modesto Roma Júnior] que as coisas não podem ser assim. Há conversas que não podem esperar."

A aflição para ajudar só fica pior quando a bola rola. Sentado no camarote, sem as chuteiras nos pés, ele precisa morder os lábios para não deixar escapar nenhuma opinião. Atualmente, menos é mais nas palavras.

"Como é difícil! Mas foi o caminho que eu escolhi. Não quero passar a imagem que eu caí de paraquedas. Eu me preparei, estudei para chegar aqui."

Está sendo até mais fácil do que ele esperava, na verdade. O time está bem, vencendo, classificado por antecipação para as quartas de final do Campeonato Paulista... Tudo isso apesar da crise financeira. É possível até que um título aconteça ainda no primeiro semestre. De uma forma bem diferente, ele jura que a sensação será a mesma de quando corria atrás da bola.

"O sentimento será igual. Porque eu vejo o quanto eles estão trabalhando. Eu vejo o que a direção tem feito."

A língua afiada de Léo sempre fez foi um estilingue. Agora ele é vidraça.

"Eu conheço o Santos. Sei como tudo funciona. Se alguém criticar, não me incomoda. Eu continuo me posicionando e tenho as minhas opiniões. Mas não é hora de falar nada. Essa hora vai chegar."

No que depender dele, sentado na cadeira de presidente.


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