Folha de S. Paulo


Análise: Kobe Bryant é quase igual a Jordan, exceto na adoração pelos fãs

Kobe Bryant é um dos jogadores mais talentosos que desfilaram pelas quadras da NBA, mas muitas vezes causou distrações que ajudaram a obscurecer sua grandeza.

Em uma era diferente, ele poderia se concentrar no basquete e receberia só elogios pelo talento sobrenatural.

Mas com o ciclo de notícias 24 horas em que vivemos agora, Bryant teve de passar boa parte da carreira respondendo por sua personalidade e por ações fora das quadras.

No domingo (14), ele se tornou o terceiro maior cestinha da história da NBA na partida do seu Los Angeles Lakers contra o Minnesota Timberwolves. Ao anotar 26 pontos na vitória de seu time por 100 a 94, chegou a marca de 32.310 e ultrapassou Michael Jordan, que encerrou a carreira com 32.292.

Com os 21 pontos marcados na derrota dos Lakers para o Indiana Pacers por 110 a 91, na noite de segunda-feira, Bryant tem agora 32.331 pontos.

Mas em termos de adoração dos fãs, ele jamais conseguirá alcançar Jordan, o jogador cujo talento mais se assemelha ao de Bryant, possivelmente porque sabemos demais sobre ele.

ESTILO KOBE

Um exemplo de como Bryant às vezes atrapalha a si mesmo surgiu na semana passada.
O foco dele deveria ser atingir a marca de Jordan, mas em lugar disso teve de responder a perguntas sobre uma explosão durante uma sessão de treinamento na qual acusou repetidamente os colegas de time de serem "moles como Charmin" [uma marca de papel higiênico], em meio a um monte de palavrões e outros insultos.

Pouco importa que ele tenha razão, que seus colegas de equipe estejam mesmo jogando mal desde o começo da temporada. Não importa que ele tenha sido elogiado por Nick Young, um dos jogadores a quem agrediu verbalmente, por instilar alguma vida no time. Não importa que Jordan se comportasse de maneira igualmente agressiva com seus colegas de time, ocasionalmente recorrendo a socos para esvaziar egos inflados.

Em geral protegido pela mídia noticiosa, Jordan costumava ser descrito como determinado e incansável. Já Bryant é descrito como egoísta e abusivo.

Depois de uma surpreendente vitória contra o San Antonio Spurs na quadra do adversário, sexta-feira (12) à noite, Bryant não demorou a declarar que seu estilo conduziu a grandes sucessos, ao longo dos anos.

"Olha, podemos todos criticar meu estilo de liderança, o dia inteiro", disse Bryant, 36. "Se você ficar assistindo, vai achar que é desconfortável, que é seja lá o que for, mas é algo que faço desde o segundo grau. Jogamos esse jogo para vencer campeonatos, e tenho cinco títulos".

O arremesso da vitória foi feito por Young, um jogador indócil que Bryant aparentemente tomou sob sua tutela. No treino que rendeu manchetes, Young respondeu a Bryant e continuou a fazê-lo depois de marcar 29 pontos na vitória da sexta-feira, conquistada na prorrogação.

"Quando estou em quadra, não sou mole como Charmin", disse Young. "Sou mais Scott Tissue - é mais áspero".

JORDAN X KOBE

Bryant conquistou sua reputação apequenando os treinadores, se relacionando mal com Shaquille O'Neal, demonstrando certa obtusidade em sua seleção de arremessos e sofrendo acusações de agressão sexual, que terminaram abandonadas em 2004. Mas aqueles que alegam que ele fica bem aquém de Jordan em quadra deveriam reconsiderar os números.

Jordan tem vantagem clara sobre Bryant em termos de números para o total de sua carreira e mesmo de médias por jogo. Em quase 200 jogos a menos, Jordan marcou mais pontos, apanhou mais rebotes, fez mais assistências, roubou mais bolas, bloqueou mais arremessos, obteve melhor porcentagem de acertos e desperdiçou menos bolas, na média por partida.

Mas se ponderarmos esses totais sobre uma média de 36 minutos jogados por partida, para levar em conta a disparidade de mais de cinco mil minutos jogados em desfavor de Bryant, as estatísticas dos dois são muito mais parecidas em médias de pontos, mas principalmente em rebotes, assistências, bolas roubadas e tocos.

Eficiência é uma palavra raramente usada para descrever Bryant. Mas ele joga em uma era na qual acontecem muito mais arremessos de três pontos e por isso sua Porcentagem Real de Conversão, um indicador estatístico avançado que computa o valor adicional dos arremessos de três pontos e também os lances livre, é de 0,554, bem mais perto do que algumas pessoas presumiriam do 0,569 de Jordan.

Bryant é acusado de ser fominha, e os números confirmam o fato. Sua Taxa de Uso, uma estatística que determina a porcentagem de jogadas de um time que envolvem um dado jogador, é de imensos 31,8%. No caso de Jordan, ela chegava a 33,3%.

Ultrapassar Jordan no total de pontos marcados provavelmente será a última grande realização da carreira de Bryant. Ele está mais de quatro mil pontos atrás de Karl Malone (36.928), o segundo colocado nesse ranking, e precisaria de pelo menos mais duas temporadas para atingir essa marca. O maior pontuador é Kareem Abdul-Jabbar, que marcou 38.387 pontos.

Tendo perdido número significativo de jogos por lesão, nas últimas temporadas, e incapaz de treinar regularmente por conta de sua idade, a expectativa é de que Bryant não continue a jogar por muito mais tempo. Já que o Lakers está se reformulando, um sexto título também parece fora de questão.

Mas Bryant é Bryant, e ele provavelmente conquistará mais algumas manchetes antes de decidir encerrar a carreira. No entanto, é improvável que elas se relacionem ao basquete.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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