Folha de S. Paulo


Tênis tem histórico de invasões de peladões em finais e até facada em número 1

A falta de um muro e a proximidade do público com os atletas já facilitaram muito a vida de invasores de quadra em jogos de tênis como aconteceu neste domingo bem perto do espanhol Rafael Nadal durante a final de Roland Garros contra David Ferrer.

Há casos banais de homens e mulheres pelados invadindo a quadra sem razão alguma, principalmente em Wimbledon.

O caso mais grave, porém, foi um ato de violência contra a americana Monica Seles, em Hamburgo, o que fez com que ela ficasse fora do circuito e acabasse com uma das trajetórias mais brilhantes da modalidade (leia abaixo o relato feito pelo então colunista de tênis da Folha, Régis Andaku, em 2009.

Após este incidente, os organizadores passaram a botar mais seguranças dentro das quadras. Foi um deles, inclusive, que agiu rapidamente e impediu que o homem com sinalizador chegasse mais perto de Rafael Nadal durante a final de Roland Garros.

Veja abaixo o texto de Régis Andaku

O jogo parecia sob controle. O primeiro set já havia sido fechado, 6/4. E no segundo, ainda que equilibrado, 4/3, a pressão estava sobre a rival, a talentosa, porém acuada, Magdalena Maleeva.

Monica Seles, 19, passava pela melhor fase da carreira. Havia vencido oito Grand Slams e era a número um do ranking. Faltava Wimbledon, que parecia cada vez mais perto.

Rapidamente, Seles fazia história.

"Prodígio" era a palavra mais usada para descrevê-la. Não à toa: em seus primeiros 34 torneios, ganhou 22.

Até aquele dia em Hamburgo, fim de abril, ganhara mais de 90% de seus jogos. Parecia que os tempos de Steffi Graf haviam ficado para trás.

Isso tudo era real no momento em que Seles, na virada de quadra, curvou o corpo à frente para beber água.
Naquele instante, sentiu uma pontada nas costas. Seles acabava de ser esfaqueada por um torcedor alemão incomodado com sua supremacia.

"Médicos me disseram que, se não tivesse me curvado naquele segundo, poderia ter sido bem pior", diz em sua autobiografia, lançada nos EUA. "O copo nem tinha tocado direito meus lábios quando senti uma dor terrível nas costas. No reflexo, minha cabeça virou para onde a dor vinha, e eu vi um homem..."

No hospital, a primeira decepção de Seles foi descobrir que, apesar da gravidade do atentado, o torneio seguia, como uma festa, com organizadores e tenistas minimizando o fato.

A segunda decepção foi quando, durante a recuperação e pelo ineditismo da situação, tenistas que se diziam suas colegas pressionavam a WTA a retirá-la do topo do ranking.

Em seguida, Seles sofreria outro duro golpe: um câncer atacou seu pai, a figura mais próxima, seu treinador e o homem que a levara ao tênis.

O estresse a levou a um poço sem fundo: deprimida, descontava na comida. "Era a única amiga." Não raro, saía de madrugada buscando lanchonetes. "Comia massa, hambúrguer, batata frita; e me acabava com biscoitos, cookies, pretzel."

Em momentos de lucidez, sabia que deveria voltar às quadras. Quando assim decidiu, ainda precisava esconder comida de seus treinadores. Levou dois anos e meio para a volta. De torcedores, ela lembra de aplausos de pé. Da mídia, de um jornal que publicou que parecia "lutadora de sumô". De críticos, de dizerem que o saque estava "pesado".

Seles ainda ganharia um Grand Slam e provaria que talento e força de vontade nunca lhe faltaram -sorte, talvez um pouco. No ano passado, em silêncio, passou a se dedicar só a trabalhos de caridade, principalmente com jovens desassistidos e bichinhos abandonados.

Agora, segundo ela, presta contas com seu passado e a seus fãs contando suas histórias. De sucesso, amor e felicidade. O atentado e suas perdas, diz, serviram para se tornar mais forte -e, longe do tênis, feliz hoje.


Endereço da página:

Links no texto: