Folha de S. Paulo


Técnico do São Paulo diz se inspirar em 1982 e defende concentração opcional

O técnico do São Paulo, Ney Franco, gostaria de provocar uma revolução de ideias no futebol brasileiro.

Dentro de campo, seu desejo é resgatar o futebol praticado pela seleção de 1982: de posse de bola, vistoso e com jogadores cuja maior virtude eram a qualidade técnica.

Fora das quatro linhas, a proposta é mais revolucionária. Copiar os exemplos vindos da Europa e deixar a decisão de se concentrar com o grupo antes de uma partida a cargo dos próprios jogadores, como opção pessoal.

Ricardo Nogueira/Folhapress
O técnico Ney Franco durante entrevista
O técnico Ney Franco durante entrevista

Em entrevista à Folha, o técnico de 46 anos falou sobre seus planos para o futuro, a vontade de dirigir a seleção na Copa de 2018 e do confronto decisivo com o Atlético-MG, pelas oitavas de final da Libertadores, que começa a ser disputado na noite desta quinta-feira.

Folha - Você fez 28 jogos neste ano e pelo menos uns dez não serviram para nada. Agora, você tem uma sequência de decisões, uma maratona em dois campeonatos. O quanto isso é prejudicial?
Ney Franco - A gente soube aproveitar essa primeira parte do Paulista para rodar o elenco, colocar todo mundo para jogar. A gente fez isso muito bem. Eu sempre coloquei que na fase mais aguda das competições teríamos todo mundo com ritmo de jogo. Conseguimos isso. A gente sabe que a primeira fase do Paulista é longa, com alguns jogos que não representam nada. Mas nos serviu como uma base para a sequência da temporada. Também serviu para eu chegar a algumas conclusões taticamente e também para observar jogadores.

Mas seria melhor que não houvesse um acúmulo de decisões?
A gente já imaginava isso. Vai ter no primeiro semestre. Vai ter no segundo semestre. Vamos estar nas oitavas de final da Sul-Americana junto com uma fase final de Brasileiro. Então, eu acho que a gente já está adaptado a esse tipo de coisa. Lógico que me preocupa se a gente chegar até a final do Paulista e às quartas da Libertadores, porque faremos oito jogos em praticamente um mês. É muito jogo. Aí tem que entrar o trabalho de recuperação do atleta. O básico está feito: a equipe está bem montada, agora precisamos da competência de recuperar os jogadores, diminuir os riscos de lesão. Estamos atentos. Se precisar um ou outro atleta, a gente vai preservar.

O calendário é muito excessivo?
No caso do São Paulo é um ano atípico. A gente está participando de quase todas as competições. Mas a gente sabe que há outras equipes do futebol brasileiro que não tem o calendário como o nosso, que vão jogar bem menos do que a gente. É um ano atípico, como vai ser o ano que vem. O segundo semestre vai ser ainda pior, porque você vai ter um acúmulo. Quem estiver na semifinal da Libertadores. A gente vai ter uma decisão de Recopa, o Brasileiro, algumas equipes na Copa do Brasil, a gente na Sul-Americana. Para gente, ainda tem a Copa Suruga, no Japão. Nosso calendário está desta forma porque no ano passado tivemos a competência de se classificar para todas as competições.

Laterais mais recuados, volantes pouco marcadores, que gostam de sair para o ataque, jogadas pelo chão, pouco jogo aéreo. Tem muito de Europa no seu trabalho, não?
Na realidade, é uma escola brasileira. É a seleção brasileira de 1982 a minha fonte de inspiração. Só que houve uma mudança. No meio dos anos 1990, o futebol brasileiro era dependente de laterais que iam e voltavam o tempo todo, com volantes de marcação. Trabalhei muito em base e sempre montei equipes com dois atacantes pelos lados e um centroavante, volantes de qualidade técnica. Estou conseguindo reproduzir em times profissionais o que eu fazia na base.

Passei por uma experiência muito interessante quando trabalhei na base do Cruzeiro e participei de torneios na Holanda e na Alemanha. Principalmente com o futebol holandês aprendi muito sobre a disposição dos jogadores em campo. É a escola que mais tarde o Barcelona veio a copiar e hoje a maioria dos clubes está fazendo. É essa escola que joga com atacantes pelos lados, marcação alta, tentando roubar a bola no ataque. A gente tenta montar equipes desta forma.

.Aqui no São Paulo, desde que cheguei, tenho tentando montar a equipe desta forma. Uma forma que fez sucesso no ano passado, porque eu cheguei e tinha Lucas, Osvaldo, Luis Fabiano e Jadson, que fazem isso muito bem. Este ano, a gente teve algumas mudanças na forma de jogar, muito porque o atleta que trouxemos para substituir o Lucas teve uma lesão, o Negueba. Agora com a recuperação do Ganso, passei a utilizar o Jadson pelo lado do campo. Esse é um conceito de manter em campo mais jogadores que sabem fazer gols, segurar essa linha de quatro e ter dois volantes com qualidade técnica para sair jogando. Por isso gosto muito de jogadores como o Maicon, com esse perfil de que sabe sair jogando bem de trás

E o que falta você conseguir implantar no São Paulo?
Talvez seja essa consciência do elenco, não só do São Paulo, mas também do futebol brasileiro. O futebol brasileiro acredita que não é possível jogar o tempo todo marcando sob pressão. Lógico que equipe nenhuma consegue fazer isso, porque a outra te ataca também. Temos que ajustar esses dois momentos: quando marcar sob pressão e quando colocar oito, nove atrás da linha da bola para roubar a bola e sair em contra-ataque. O jogo que a gente fez contra o Atlético-MG me dá esperança de fazer isso durante toda a temporada. Esse jogo é a minha referência, o conceito que tenho para a minha equipe.

Pensa em fazer como o Coritiba e acabar com a concentração para jogos em casa?
A minha vontade é essa, mas a gente sabe que no futebol brasileiro é muito difícil. Precisa de uma conscientização dos atletas. Quando você abole a concentração, todos os tropeços vão ser creditados a isso. Mesmo quando você está concentrado e a equipe está em baixa, sempre chegam notícias que um jogador foi visto aqui ou acolá. Imagine se os resultados não forem positivos, vai dar confusão. Eu gostaria de implantar uma concentração facultativa. Há alguns momentos em que o jogador quer concentrar. O jogador que tem um filho de três meses, ele prefere dormir na concentração para dormir melhor. Meu sonho era trabalhar em um clube em que eu conseguisse ter uma conscientização dos atletas e da diretoria para implantar uma concentração facultativa.

Mas você se vê implantando esse sistema no São Paulo a curto ou médio prazo?
Não, vejo dificuldade. Em um clube como o São Paulo, ou na maioria dos brasileiros, acho muito difícil. Nosso futebol ainda não está preparado para isso, principalmente por causa da responsabilidade do jogador brasileiro.

Um desses fatores que o jogador brasileiro não entende é o conceito de que o time tem mais de 11 titulares definidos?
Estamos começando a nos aproximar disso. Aqui no São Paulo, por exemplo. Fechamos o ano passado bem, tivemos os problemas deste ano, mas hoje nosso grupo está mais maduro. Vamos fechar esta temporada com isso bem aceito. Temos alguns jogadores que poderiam ser titulares em qualquer grande clube brasileiro, estão no banco e, mesmo assim, agem de maneira bem participativa, sabendo que a qualquer momento serão utilizados. A experiência que tivemos no Paulista foi bem produtiva, com todo mundo jogando.

Trabalhar em clube grande, com pressão de torcida, diretoria, imprensa, passa por abrir mão de algumas convicções?
Eu acho que você tem que estar sempre se reciclando, você precisa ter uma pessoa em quem você confia te vendo do lado de fora. As convicções, às vezes, podem ser mudadas sim. Agora, eu não sou muito de ser influenciado pelo que sai em noticiário, porque eu acho que um dos detalhes do treinador é ter o feeling de quanto sua equipe vai crescer. A imprensa e o público só veem os jogos, mas a gente sabe até onde um jogador pode ir pelo treinamento. Lógico que a gente sempre tem que estar atento às críticas. Sou de diálogo, sou de conversa com meu auxiliar, com o presidente, com um jornalista que entenda a parte tática. Estou sempre escutando. Alguns conceitos podem ser mudados sim, sem dúvida nenhuma.

Faço essa pergunta porque você chegou a dizer que via o Ganso como reserva do Jadson e, após barrar o Lúcio, que ele e o Toloi disputavam a mesma posição. São convicções que mudaram?
Mudaram por causa do campo, não por influência externa. Antes de falar que o Ganso era reserva do Jadson, falei que os dois tinham condições de jogar juntos. Ele foi contratado para ser titular. Mas percebi no começo da temporada que o Ganso estava abaixo, e a equipe começou a se ajustar só com o Jadson. Aí, contra o Santos, vi alguns lampejos de que os dois poderiam atuar juntos. Dei essa declaração por causa do que estava acontecendo no momento. Mas eu tenho de ser mais flexível, estava muito pautado do que acontecia no momento. O Ganso melhorou, o Lúcio foi para o banco e cresceu, jogando junto com o Toloi. Apostei de novo em deslocar o Toloi para o lado esquerdo. São conceitos que foram mudados em função da flexibilidade que o futebol te proporciona. Talvez tenha me faltado não dar esse tipo de declaração. O melhor talvez seja ter a postura que todo mundo tem: não abrir o time, não ser tão convicto em uma coisa para não se tornar escravo do que falou.

O que representa essa passagem pelo São Paulo na sua carreira?
É a primeira oportunidade de trabalhar em São Paulo, de ser conhecido em São Paulo. Por mais que os jornalistas me conhecessem de vista ou de conversas, agora é diferente. Trabalhar aqui abre minhas opções de mercado. Sou um trabalhador, que não vai ficar eternamente no São Paulo. Acho que tenho que aproveitar essa oportunidade para abrir o mercado, principalmente em um clube que me dá a chance de ser campeão. Sou movido a títulos. Se tem alguma coisa que me fascina no futebol é colocar a cada temporada pelo menos um título no meu currículo. Tenho conseguido isso desde 2005, quando comecei. Não tenho nem dez anos de carreira e tenho títulos que profissionais com muito mais tempo de profissão não têm. Estou em um clube que me dá condições de conseguir até mais que um título por temporada. Essa oportunidade eu acho legal. Trabalhar em São Paulo e ganhar títulos que te dão repercussão não só nacional, mas também internacional.

Falando nisso, trabalhar na Europa é uma meta?
Não é a minha principal meta. O que quero é olhar meu currículo daqui 20 anos e ver que fui campeão brasileiro, campeão da Libertadores, que recoloquei o Coritiba na elite do futebol brasileiro, que fui campeão mineiro com o Ipatinga. Isso que move, me motiva. Já tive uma proposta para trabalhar no Marítimo e no Nacional, de Portugal, assim que fui campeão mineiro. Mas logo depois fui contratado pelo Flamengo. Da forma como estava na época, não dava para ir mais, até porque eu tinha me valorizado financeiramente. Não me fascina ir para esse mundo periférico do futebol, Arábia Saudita, Emirados Árabes, mas talvez se aparecesse uma oportunidade em Portugal, que é a entrada para brasileiros na Europa, seria interessante.

E voltar à CBF para dirigir a seleção principal?
Lógico que isso é um sonho. A experiência que passei foi positiva. Disputei duas competições, o Mundial e o Sul-Americano sub-20, e fomos campeões nas duas, com a equipe jogando muito bem e enfrentando equipes europeias em um momento em que o futebol brasileiro era questionado. A gente passou pela Espanha, foi campeão em cima de Portugal. No Sul-Americano, ganhamos de todo mundo. Essa experiência mostrou que eu tenho condições de trabalhar na seleção no futuro, até porque a minha convocação foi muito acertada. Isso vem do know-how que tenho das categorias de base, passei muito tempo fazendo peneiradas. Lógico que tenho esse sonho, mas hoje sei que tem muitos treinadores na minha frente. Mas isso é etapas. Estou atrás também na idade, mas em um momento eles vão parar e naturalmente a fila vai andar.

Então você não acha que pode ser o próximo técnico da seleção?
Acho que tem treinadores na minha frente, mas estou em uma equipe como o São Paulo. Lógico que se ganhar dois ou três títulos por temporada, lógico que você vira o técnico cotado. No futuro, vai pesar muito eu ter trabalhado com essa geração que vai estar amadurecida em 2018. Eu acho que a seleção de 2018 vai ser muito forte. Vamos estar com Lucas, Oscar, Gabriel, Danilo, Alex Sandro, Neymar, esses jogadores muito maduros. Lógico que por eu ter trabalhado com esses jogadores, se tiver sucesso no clube em que estiver trabalhando, posso ser um nome interessante para dirigir o Brasil em 2018 ou 2022.

Você sempre diz que o Atlético-MG é o melhor time da América do Sul. O que te encanta nele?
Os números, principalmente na Libertadores, e pelos jogadores que eles têm em campo e no banco de reservas. Lógico que isso pode mudar em duas ou três rodadas. Não são vitórias por acaso, o time está jogando muito bem. Tem um posicionamento igual ao nosso, do Corinthians, do Fluminense. Hoje ela está um pouco acima. Não impede que qualquer um desses melhore e ultrapasse o Atlético.

É esse o quarteto que está no topo na Libertadores?
Você não pode desprezar o Grêmio. Em competições de mata-mata, você não pode descartar um time como o Palmeiras, que ganhou jogos na raça recentemente. Isso pesa muito neste tipo de competições. Também não se pode esquecer que o Boca tem tradição, o Velez e o Newell's vivem um bom momento no futebol argentino. Mas hoje o Atlético está um pouco à frente dos outros.

E o que vocês precisam fazer no jogo de ida para enfrentar o Independência depois?
O grande desafio é vencer o primeiro jogo, jogar também quanto no jogo em que vencemos eles. Bem taticamente, com todos os jogadores com boas atuações, acertando passes, chutes, se desdobrando para marcar, com a torcida dando apoio. O primeiro passo para enfrentar o Atlético lá é conseguir vencer esse primeiro jogo. Independente do placar, temos de vencer.

Acha que essa partida tende a ser mais difícil, já que o Atlético-MG estará desta vez tão motivado quanto o São Paulo?
Acho que será no mesmo nível. A gente venceu o último jogo, mas foi difícil. O Atlético-MG queria nos tirar da competição, mas a gente estava em uma noite inspirada. Tanto que o Cuca nem preservou os jogadores que estavam pendurado. Inclusive, o Leonardo Silva tomou o terceiro cartão amarelo. Ele insistiu com o Diego Tardelli até o último momento. O Atlético veio concentrado e mobilizado para esse jogo. Acho que vem de novo. Nos cabe jogar no mesmo nível para tentar outra vitória.

É possível que o São Paulo pegue só brasileiros nos mata-matas até a final da Libertadores. Para você, isso faz algumas diferença?
Eu prefiro pegar apenas brasileiros até a final, mas não pelo grau de dificuldade, que é até maior. Mas por estarmos na reta final do Paulista, é melhor. Você prefere pegar o Palmeiras ou o Tijuana? Prefiro o Palmeiras, que está aqui do meu lado. Não vou ter aquele desgaste de 17 horas de viagem. Você prefere pegar o Corinthians ou o Boca Juniors? Prefiro o Corinthians, está aqui o estádio deles, por que vou me deslocar até a Argentina para jogar lá. Neste momento, prefiro ficar no meu CT. O que mais vai fazer a diferença nesta fase é a recuperação dos atletas.

O que que mudou na sua imagem essa passagem pelo São Paulo? Era o cara bonzinho que bateu de frente com Rogério, Lúcio, Ganso, João Paulo de Jesus Lopes...
Em centros onde já trabalhei, todo mundo passou por essa experiência. No Flamengo, tive de ser frente. Talvez esse conceito esteja no imaginário do torcedor por causa das entrevistas que dou. Sempre mostro serenidade. Não sou muito de gesticular em beirada de campo. Inclusive já recebi várias orientações para me movimentar mais e gritar quando a câmera estiver em mim. Não é o meu perfil. Sou de cobrar os atletas em locais fechados, não gosto de fazer isso no campo, com todo mundo vendo. O futebol brasileiro é acostumado a deixar isso aberto, para ser publicado e filmado depois. Eu não faço isso.

E como você define Ney Franco?
Me defino como um treinador que se preparou muito para chegar aqui e me sinto totalmente pronto para dirigir qualquer clube do Brasil e a seleção. Também estou preparado tecnicamente para trabalhar em uma equipe europeia.


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