Folha de S. Paulo


Análise

Base curricular pode ser perdida se estrutura das escolas não mudar

Zanone Freissat/Folhapress
Escola onde estudava o garoto Waldik, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo
Escola na zona leste de São Paulo; colégios precisam melhorar infraestrutura

Dois anos de debates acalorados e de páginas editadas por especialistas de todo o país podem ser perdidos se a base nacional curricular não conseguir dar o seu passo mais difícil: a implementação.

Para que o guia curricular anunciado nesta quinta-feira (6) passe a valer em 2019 após apreciação final do CNE (Conselho Nacional de Educação) –que ainda deve levar quase um ano–, será preciso investir na infraestrutura das escolas de todo o país.

Na prática, a base nacional curricular projeta aquilo que a educação deve ser no futuro por meio da descrição das habilidades desenvolvidas a cada ano letivo em quatro áreas do conhecimento: linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e matemática.

O que a terceira e atual versão da base mostra (a discussão começou em setembro de 2015) é que a educação brasileira será mais experimental e menos expositiva.

O eixo de ciências nos anos finais do ensino fundamental (dos 12 aos 14 anos), por exemplo, é recheado de habilidades como "planejar e executar experimentos que evidenciem que todas as cores de luz são formadas pela composição das três cores primárias da luz."

A ideia é ótima e tem sido elogiada por especialistas. Para desenvolver de fato essa capacidade nos nossos estudantes é preciso planejamento, treinamento de professores e material.

Hoje, apenas uma em cada dez escolas públicas que oferecem ensino fundamental (1º ao 9º ano) no Brasil tem laboratórios de ciência, de acordo com dados do Censo Escolar 2015.

Isso dá menos de 10 mil escolas de ensino fundamental regular, de um total de 112.393 espalhadas pelos país.

Experiências de sucesso fora do Brasil, no entanto, têm mostrado que a própria escola e seu entorno podem servir de "laboratório" para aulas. Os professores podem, por exemplo, convidar os alunos a resolver um problema real.

A literatura de educação tem vários exemplos de experiências pedagógicas nesse sentido em todo o mundo. Há casos também no Brasil.

Nos primeiros anos do ensino fundamental público de uma cidade pequena de pescadores na Paraíba, o então estudante Matheus Augusto Silva desenvolvera uma solução para retirar matéria orgânica e inorgânica que se acumulava no açude da cidade.

O projeto deu tão certo que foi apresentado, na época, a vereadores da cidade de Boqueirão, onde ele morava. Foi implementado. Matheus hoje tem 24 anos e foi estudar engenharia química na renomada WPI (Worcester Polytechnic Institute), perto de Boston, nos EUA.

Para que esse tipo de experiência pedagógica seja corriqueira nas escolas brasileiras é preciso treinamento intenso de professores –o que, diz o MEC, deve começar em 2018.

Também é preciso recursos: kits de experimentação, pequenos instrumentos, pilha, cabos, madeira. Vamos inclui-los no material escolar?

Mais: o ensino por experimentação também demanda pesquisa -o que, hoje em dia, é impossível sem acesso à internet.

No Brasil, a maioria das escolas tem laboratórios de informática trancafiados em salas que ninguém acessa e a internet, quando existe, não dá conta de pequenos downloads.

Se a base curricular não for acompanhada de uma implementação bem planejada, o documento de cerca de 300 páginas ficará desconectado da realidade. E as escolas seguirão ensinando ciências na lousa.

Entenda a base curricular


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