Folha de S. Paulo


Antes da faculdade, jovens fazem estágio de vida adulta em repúblicas

Jovens que ainda nem entraram na universidade têm buscado as repúblicas para reduzir custos e experimentar vida de gente grande.

De Estrela d' Oeste (570 km de São Paulo), João Kauê Freitas, 17, desembarcou em janeiro na república Minerva, em Santana, na zona norte da capital paulista.

Ele tem à mão roupa lavada, internet e ligações à vontade para a casa dos pais –tudo por R$ 800 ao mês.

Lá, também aprendeu a passar roupa, a poupar água no banho, a fazer a própria comida e a controlar gastos.

O convívio com outros estudantes tem ajudado nos estudos, diz. "Meu colega de quarto me ensina a resolver questões de matemática", diz Freitas, que está num cursinho que prepara candidatos para o cargo de oficial da PM.

Karime Xavier/Folhapress
Estudante em quarto de república só para mulheres na zona sul da capital paulista
Estudante em quarto de república só para mulheres na zona sul da capital paulista

Na mesma república, o estudante Daniel Sakalauskas, 20, que pretende ser médico, tem penado com as contas. "Nunca tinha administrado meu dinheiro. Tem meses que passo aperto", conta.

Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que o jovem que vive um período longe do controle dos pais adquire mais rápido competências que a escola não desenvolve.

"Ele lida bem com conflitos e passa por um processo nessa fase, que é o de autoconhecimento", diz a psicóloga Iraíde Barreiro, doutora em educação da Unesp.

DISCUTIR A RELAÇÃO

O que mais se ouve na República Feminina São Paulo, que abriga 35 estudantes, é "DR" (discussão da relação), diz Thayara dos Anjos, 24. "É a comida que uma pegou sem avisar. É o jeito de falar que não foi legal. Tudo gera muita conversa."

Luana Dias, 18, que saiu de Santos para estudar enfermagem na capital, ensina a se dar bem vivendo em grupo. "Penso muito antes de falar. Você não sabe como a outra vai reagir com o que ouve."

Homem, a não ser que esteja ali a trabalho, não passa do portão para dentro. A lei foi criada pela dona da casa, Débora de Souza, 28, formada em comércio exterior. "É medida de segurança. Quem burla, está fora."

Os quartos, que acomodam de seis até 12 estudantes, são uma bagunça organizada. O ambiente lembra um hostel e custa R$ 350/ mês. "Somos uma família. A gente divide comida, roupa, sapatos", diz a estudante do cursinho Henfil, Érica Oliveira, 19.

O baiano Daniel Soares, 20, vive sob outras restrições no alojamento do Colégio Poliedro, em São José dos Campos (a 97 km de São Paulo). No espaço, é proibido jogar cartas de baralho, ingerir bebida alcoólica e fumar cigarro. "Faz parte. É para ter foco nas 12 horas por dia de estudo", diz.

O local, com 180 estudantes, tem piscina, quadra poliesportiva, salas de estudo e oferta de três refeições diárias. Abriga, na sua maioria, jovens que quererem cursar as engenharias de ponta do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), conta o professor de química Thiago Costa.

"Quero fazer engenharia eletrônica. A minha angústia é que o ITA só aceita alunos com até 23 anos e eu só tenho mais três chances. Às vezes, fico desanimado. Mas meus colegas me incentivam."

O pacote de hospedagem e aulas chega a custar R$ 42,9 mil por ano para quem se prepara para as provas do ITA.

República não é "colônia de férias", diz Artemis Guimarães, 20, que cursa o Anglo de São Paulo para concorrer a uma vaga em medicina.

"Na casa em que eu dividia com cinco meninas na Liberdade [centro] não tinha privacidade nem no meu quarto", diz ela, que hoje vive só.

Ze Carlos Barretta/Folhapress
Daniel Sakalauskas, 20, (esq.) e João Kauê Freitas, 17, estudam na república Minerva, em SP
Daniel Sakalauskas, 20, (esq.) e João Kauê Freitas, 17, estudam na república Minerva, em SP

QUESTÃO DE PERFIL

Para fugir de ciladas, diz Fernando Rocha, 36, proprietário da república Minerva, o estudante precisa achar qual tipo de moradia mais se encaixa em seu perfil. "E tem que aceitar as regras. Na minha casa, banho de água quente só dura oito minutos, não pode fazer barulho e nem frituras após as 22h."

Daniel Sakalauskas diz que quando os moradores da casa extrapolam as normas todos se reúnem e lavam a roupa suja. "O Rocha comanda a reunião. Virou nosso pai."

Com as meninas, Débora de Souza, a dona da república São Paulo, faz o mesmo. "Muitas saem cedo da casa dos pais e chegam aqui precisando de apoio, de ombro."

Antes de pensar em viver numa república, valorizar o conselho de quem já está lá é essencial. "Entre pelo menos sabendo fazer o kit de sobrevivência, que é feijão, arroz e ovo", diz Priscila Freitas, 20.

E tem mais. Leve poucas roupas e objetos essenciais, como os livros de estudo. Quase sempre o espaço individual disponível resume-se a um armário de duas portas. E nada de estudar com a luz acesa no quarto. "Sala existe para isso", diz a estudante.


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