Folha de S. Paulo


Longe dos agressores, polícia quer entender estopim de ataque a ator

A Polícia Civil de São Paulo ainda considera um mistério o estopim das agressões contra o ator Diogo Cintra, 24, na madrugada do dia 15, em um terminal de ônibus na região central da capital.

Policiais envolvidos na investigação ouvidos pela Folha dizem que, embora não descartada, é incerta a versão apresentada pela vítima de ter sido uma tentativa de roubo iniciada do lado de fora do terminal Parque Dom Pedro 2º e que, na sequência, terminou com o seu espancamento.

Os policiais dizem que as investigações até o momento apontam para outra possibilidade: a de ter sido uma briga em razão de um desentendimento anterior entre Diogo e um rapaz que, nas imagens, aparece com um pedaço de madeira e tenta agredi-lo.

Essa possibilidade ganhou força nesta quinta (23), quando os policiais receberam a informação de que Diogo costumava frequentar a região e, assim, seria conhecido por ali.

vídeo ator negro

O caso ocorreu há nove dias e até aqui a Polícia Civil do governo Geraldo Alckmin (PSDB) não apresentou nenhuma evolução na busca pelos criminosos. Eles tentam identificar quem são as pessoas que participaram do crime para depois apresentar a versão final da investigação.

Independentemente da origem da perseguição, porém, dois pontos não mudam: 1) Diogo foi espancado por um grupo ainda não identificado pela polícia de São Paulo; 2) vigias do terminal de ônibus nada fizeram diante de um passageiro que pediu ajuda e era arrastado para fora do local.

Esclarecer o motivo das agressões, porém, pode ser um primeiro caminho da polícia para recolher pistas do grupo que espancou o ator.

ENTORNO

O entorno do terminal, em especial na madrugada (quando aconteceu o ataque), tem forte presença de criminosos que exploram o tráfico de drogas e a prostituição, além de assaltos frequentes a pedestres. Frequentadores do terminal de ônibus dizem que o crime organizado também tem influência do lado de dentro das grades e que, muitas vezes, agem para apartar brigas nesse espaço público.

Policiais estão infiltrados na área desde que o caso ganhou publicidade. Eles acreditam que pessoas que arrastaram o ator para fora da estação seriam seguranças da região, possivelmente ligados ao tráfico de drogas, e aderiram ao imbróglio para afastar o tumulto do terminal.

Um deles, conforme a Folha revelou, usava um rádio transmissor na cintura no momento em que segurava Diogo para levá-lo para fora do terminal Dom Pedro.

Policiais dizem que esse tipo de equipamento é comum nas chamadas "biqueiras" (para venda de drogas) e incomuns em casos de assaltos.

Reprodução
No destaque, radiocomunicador pendurado na calça de um dos agressores de Diogo Cintra
No destaque, radiocomunicador pendurado na calça de um dos agressores de Diogo Cintra

Não se sabe se eles efetivamente participaram da agressão do lado externo, já que não foram encontradas câmeras no ponto onde Diogo foi agredido –o ator só volta para a estação nove minutos após sair de lá arrastado.

A possibilidade de o estopim do ataque não ter sido o roubo surgiu na cúpula da segurança paulista após a análise das imagens do ataque.

Para os policiais, é incomum criminosos perseguirem uma vítima para roubá-la, dominá-la diante de tantas pessoas e levá-la para determinado local para iniciarem uma agressão.

TERMINAL

A história de Diogo tornou-se conhecida na semana passada quando o ator divulgou nas redes sociais as marcas da agressão sofrida no terminal.

Ele diz que iria para sua casa, no Capão Redondo (zona sul), quando foi abordado por dois homens que tentaram roubar seu celular.

Editoria de arte/Folhapress

Ele afirmou que estava a pé e próximo das catracas do terminal, por isso decidiu correr em busca de ajuda. Na versão dele, uma vez dentro do terminal e diante dos vigilantes, os agressores então o acusaram de tentar assaltá-los.

O ator afirma ainda que tentou conseguir apoio dos funcionários do terminal de ônibus, mas acabou sendo entregue aos agressores porque os vigias não acreditaram que ele era a vítima.

Em rápido contato com a reportagem nesta quinta (23), Diogo manteve essa versão de ter sido roubado e criticou o fato de detalhes da investigação desconhecidos por ele terem chegado à imprensa.

Pessoas ligadas à Secretaria Municipal de Transportes questionam o motivo de o ator ter ido ao terminal Dom Pedro para seguir para o Capão Redondo, já que, a partir da rua Augusta, onde estava naquele dia, o mais próximo seria o terminal Bandeira (também no centro).

Além de levar mais do que o dobro do tempo para chegar ao Dom Pedro, essa opção obrigaria o passageiro a tomar dois ônibus.

Segundo policiais ouvidos pela reportagem, a conclusão da investigação só deve ser apresentada oficialmente quando os agressores forem identificados e presos.

Eles devem descartar, porém, eventual racismo por parte dos vigias. Dizem que a atitude deles não demonstra omissão em razão da cor.

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Entenda o caso

O que as imagens das câmaras de segurança mostram?
Diogo foge de um homem que corre com um pedaço de madeira na mão. Em seguida, é levado pelo braço pelos agressores para fora do terminal, enquanto os seguranças olham passivos. Dois cachorros seguem o grupo. Alguns usam capuzes, mas ao menos dois podem ter seus rostos identificados. Um tempo depois, Diogo aparece cambaleante, com um pé descalço, entrando em um ônibus. Ele então é colocado em uma cadeira de rodas pelos seguranças.

O que motivou as agressões ao ator?
Diogo diz que foi perseguido após reagir a uma tentativa de assalto nas proximidades e correr para dentro do terminal. A polícia, porém, investiga se ele teria se desentendido com algum conhecido da região.

Por que os funcionários não intervieram?
De acordo com a vítima, eles o confundiram com um ladrão pelo fato de ser negro. A SPTrans ainda não divulgou a versão dos funcionários, que foram afastados até a conclusão do inquérito policial. Segundo testemunhas, eles teriam ficado com medo por conhecerem os agressores e temerem represálias.

O que aconteceu depois que o ator foi arrastado para fora do terminal?
Ele disse ter sido espancado por um grupo de seis homens, com pedaços de pau e pedras, e ter sido mordido por cachorros. As agressões só pararam quando uma moça que fazia parte do grupo pediu e afastou os cães. No dia seguinte, ele postou fotos que mostram seu rosto todo machucado.

Quem são os agressores?
Como o espancamento ocorreu fora do terminal, longe do alcance das câmeras, não é possível dizer se foram os mesmos que o arrastaram da estação. Segundo a vítima, foram os assaltantes que tentaram levar seu celular. A polícia apura se foram criminosos ligados ao tráfico de drogas na região.

Eles foram identificados?
Ainda não. A polícia diz ter ouvido de frequentadores do entorno que eles não foram mais vistos desde aquela madrugada. Em depoimento, Diogo olhou álbum de fotos de suspeitos com passagem pela polícia, mas não reconheceu nenhum deles.

O ator disse que naquele dia estava voltando para casa, no Capão Redondo, após uma festa. Do terminal Parque Dom Pedro partem ônibus para a região?
Não. Ônibus com destino ao terminal Capelinha, no Capão Redondo (zona sul), partem do terminal Bandeira, mais próximo de onde o ator disse ter saído, na rua Augusta. Para chegar ao bairro a partir do Parque Dom Pedro, é preciso pegar um ônibus até o terminal Santo Amaro e fazer baldeação. Essa informação, porém, é considerada irrelevante para o inquérito policial.


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