Folha de S. Paulo


Celina Maria Street Bacellar (1926-2017)

Mortes: Religiosa e culta, era feminista sem bandeira

Nascida na jovem elite industrial paulistana, Celina Maria Street Bacellar passou boa parte da infância nos Campos Elíseos, primeiro bairro nobre da São Paulo do início do século 20, cercada de pajens, copeiras, arrumadeiras, motoristas e de Mademoiselle Emy.

A governanta francesa a treinava na língua em que leria os poemas de Baudelaire (1821-1867) mas também a submetia a intensas sessões de exercícios físicos, dentro e fora do palacete dos avós, Jorge e Zélia Street.

O casal fundara em 1917, no Belenzinho (zona leste), o complexo industrial da Companhia Nacional de Tecidos de Juta, que produzia sacaria para a exportação de café. Em anexo, ergueram uma vila operária padrão para abrigar seus funcionários, batizada de Vila Maria Zélia, hoje patrimônio histórico da capital.

Celina guardava como memória viva daqueles tempos de bonança o seu primeiro "corso" de carnaval. Na avenida São João, sob confete, serpentina e lança-perfume, os automóveis desfilavam de capota aberta ao som de marchinhas. Ela usou batom e rouge, e se sentou na capota.

A crise pós-quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, levou a fortuna da família. O pai ficou desempregado.

Em breve, a pequena Celina começou a perceber o que chamaria anos depois de diferença de classe. "Por que havia pedintes na saída da missa? Por que a mãe beijava as amigas, mas não Alma, sua pajem?", escreveu num diário.

Com os bens que conseguiu preservar da bancarrota, a família migrou para uma nova classe média urbana, e Celina se apaixonou pelo cinema, pelo teatro e pela ópera.

Matriculada no colégio Des Oiseaux, ela viu crescer seu sentimento religioso no seio da instituição dirigida por freiras belgas, e passou a se inquietar com o fato de seu avô paterno e seus pais não comungarem nem mesmo na Páscoa. "Temia que fossem para o inferno", justificava-se.

Interessada e estudiosa, ingressou na faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, do Instituto Sedes Sapientiae.

Formou-se já como professora do Des Oiseaux, onde lecionou história.

Aos 24 anos, pouco depois de ter descartado a possibilidade de ser freira, Celina conheceu o marido, o dentista Moacyr Pinheiro Monteiro, de quem havia se tornado professora de francês por indicação de uma tia.

Dois anos depois, estavam casados. E, nos 12 anos seguintes, tiveram oito filhos, seis deles mulheres.

Os anos 1960 intensificaram a frequência de Celina no convento dominicano, em Perdizes, onde se reuniam várias tendências ideológicas da esquerda, católicas e laicas. Com o regime militar, a relação com padres adeptos da teologia da libertação fez o telefone da casa da família ser grampeado.

Intelectual, exigia modos e estudo dos filhos, de quem sempre manteve certa distância por causa dos vários compromissos com trabalho, igreja, grupos de estudo e projetos sociais.

Era voluntária num projeto de amparo para mães solteiras e construiu um olhar crítico em relação ao papel da mulher na sociedade. Promovia a emancipação das filhas, questionava regras que o pai queria impor a elas por serem meninas e nunca pregou casamento como projeto de vida.

Aberta e acolhedora, não discriminava nenhum tipo de gente ou de assunto. Sua casa vivia cheia dos amigos que soube cultivar desde a infância e das novas amizades que nunca cessou de fazer até a velhice. Para dar conta de tantos encontros, nunca dispensou a ajuda de serviçais. Mas, ao contrário de sua mãe, ela as cumprimentava como a todos os outros.

Morreu aos 90 anos, após sofrer um AVC. Celina deixa o marido, oito filhos, 17 netos e cinco bisnetos. A missa de sétimo dia acontece neste domingo (18), às 16h30, na paróquia São Domingos (rua Caiubi, 164, Perdizes).

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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