Folha de S. Paulo


Até pino de cocaína provoca morte de animais marinhos no litoral paulista

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Soltura de filhote de tartaruga no parque Laje de Santos
Soltura de filhote de tartaruga no parque Laje de Santos

Tartarugas mortas por ingerirem pinos vazios de cocaína, bexigas, unhas postiças e até preservativos. Um golfinho já sem vida por se enrolar com uma tira de chinelo. Um albatroz que morreu após ter o bico propositalmente serrado.

Os casos ilustram um cenário que começa a ser melhor entendido nas praias do litoral norte e sul de São Paulo. Nos últimos 21 meses, quase 9.000 animais foram encontrados mortos em situações cruéis e até inusitadas.

"Temos observado que grande parte das mortes é por interação com o ser humano [pesca] e com o resíduo sólido [lixo]. Temos dados intrigantes", diz a veterinária Andrea Maranho, coordenadora técnica do Instituto Gremar.

A instituição colabora, ao lado do Instituto Argonauta, do Instituto de Pesquisas de Cananéia (IPeC) e do Projeto Biopesca, com um trabalho não inédito, mas que alcançou a condição de maior do país, segundo o Ibama.

O projeto que está em desenvolvimento é o monitoramento de praias da bacia de Santos, com ações diárias.

MORTES NO OCEANO - Animais marinhos encontrados por ONGs no litoral paulista de ago.2015 a abr.2017

A pesquisa, que permite ainda o registro de espécies raramente encontradas e a soltura de animais reabilitados, tem dado a grande dimensão dos estragos humanos sobre a fauna oceânica.

Um dos institutos do programa chegou a recolher em um só dia 75 animais mortos, a grande maioria aves da espécie bobo-pequeno.

As espécies mortas são estudadas. Cada instituição possui um centro de necropsia para identificar a causa e entender os impactos na fauna.

A fase 1 do projeto surgiu em agosto de 2015 quando a Petrobras começou a exploração de petróleo e gás em SP. Como condicionante para obter o licenciamento ambiental, a estatal precisou custear o projeto que serve para avaliar os possíveis impactos de suas atividades.

Mas tudo foi além. Coordenado pela Univali (Universidade do Vale do Itajaí), o projeto catalogou 26 mil animais em pouco mais de 700 quilômetros de praia, monitorados todos os dias, desde Laguna (SC) a Ubatuba, no litoral norte paulista. O foco é encontrar espécies marinhas –mamíferos, aves e tartarugas– mortas ou feridas.

"Estamos fazendo o que sempre quisemos fazer, mas não tínhamos noção da grandiosidade dos resultados que alcançaríamos e o quão trabalhoso seria monitorar todos os dias. Faltavam recursos antes", afirma o biólogo André Barreto, professor da Univali e coordenador do programa.

Os institutos envolvidos na pesquisa seguem uma metodologia padronizada. Eles relatam por meio de tablets as ocorrências e lançam os dados em tempo quase real para um sistema denominado Simba, de acesso público.

Em casos de animais cobertos de óleo, provavelmente devido ao petróleo, a ocorrência é lançada e, automaticamente, Ibama, Petrobras e Univali são avisados."O objetivo principal, claro, é avaliar problemas de animais com óleo, mas tivemos poucos casos até então", diz Barreto.

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Pinguins encontrados debilitados no litoral sul do Estado
Pinguins encontrados debilitados no litoral sul do Estado

INCENTIVO

A infraestrutura das instituições envolvidas na pesquisa melhorou. O Gremar, por exemplo, recebeu carros para percorrer as praias e saltou de cinco funcionários para 35.

"Nosso caso é similar. Teríamos entre 2 ou 3 funcionários, além dos voluntários. Mas contamos hoje com 17 funcionários e 3 estagiários", diz Rodrigo Del Rio, coordenador do Biopesca, que monitora Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe.

Antes, as instituições trabalhavam apenas quando chamadas para ocorrências. Algumas faziam monitoramentos semanais ou quinzenais. Agora, são todo os dias.

Mas, apesar da "cartilha" a ser seguida, nem tudo é igual. Em alguns casos, o monitoramento é feito de carro, quadriciclo, bicicleta, moto ou a pé. No Argonauta, responsável pelas praias do litoral norte, há o uso de barcos.

O litoral sul é marcado por praias contínuas, percorridas por veículos de forma direta.

No norte, em Ilhabela, São Sebastião, Ubatuba e Caraguatatuba é necessário usar barcos e outros meios por serem trechos de areia menores e mais recortados.

O trabalho em São Paulo ainda conta com pesquisas e bases de recuperação, como o caso da Fundação Pró-Tamar, que recebe as tartarugas do Instituto Argonauta.

Apesar das milhares de informação geradas, o projeto precisa de mais tempo para produzir dados mais robustos, que vão levar ao entendimento de alguns fenômenos.

Os relatórios mensais encaminhados pela Univali para a Petrobras também são entregues ao Ibama.

OUTROS ESTADOS

Os animais mortos levantados pelo projeto de monitoramento de praias também foram encontrados fora de São Paulo.

Na fase 1, a principal desenvolvida até agora, o trabalho funciona ativamente nos Estados do Paraná e, principalmente, no litoral de Santa Catarina, sede da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), responsável por coordenar o projeto.

"Existem áreas menores que já recebem um trabalho como esse. O nosso, pela extensão, pode ser considerado o maior, mas não é o único", diz André Barreto, professor da Univali e coordenador do programa.

Desde setembro do último ano, foi iniciada, só no Rio de Janeiro, a fase 2 do mesmo projeto, entre os municípios de Saquarema e Paraty, executada pela empresa CTA Serviços de Meio Ambiente.

Nos sete primeiros meses de trabalho foram registrados 763 animais mortos e 133 vivos, nenhum deles com óleo.

Existem outros programas de monitoramento similares, com números consideráveis, espalhados pelo país. O mais antigo deles ocorre desde janeiro de 2010, na bacia Potiguar, que monitora as praias de oito cidades do Estados do Rio Grande do Norte e cinco do Estado do Ceará.

Outro ocorre na bacia de Campos e do Espírito Santo, entre os municípios de Conceição da Barra, no norte capixaba, e Saquarema, no Rio de Janeiro.

Todos funcionam com dinheiro de compensação ambiental da exploração de petróleo da Petrobras.


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