Folha de S. Paulo


Com crise, aumentam pedidos para Justiça de SP rever pensão de filhos

Há cerca de dois meses, a dona de casa Rosângela Alves Rosa, 37, foi surpreendida com um pedido do ex-companheiro. Ele pede na Justiça para pagar menos pensão alimentícia ao filho dos dois, de 14 anos.

Cabeleireiro, alega que o movimento no lugar onde trabalha diminuiu, reduzindo seus ganhos. Rosângela, moradora do Jardim Brasil, na zona norte de São Paulo, diz receber dele R$ 150 dos R$ 440 mensais devidos.

Levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo feito a pedido da Folha mostra um aumento de pouco mais de 30% das ações revisionais de pensão alimentícia em São Paulo de julho de 2015 a junho de 2016 em relação aos 12 meses anteriores. O número aumentou de 2.831 para 3.738.

Para especialistas, a intensificação das ações está ligada à crise econômica do país. Dados do IBGE mostram que a taxa de desemprego no Brasil chegou a 11,8% no trimestre encerrado em agosto, atingindo 12 milhões de pessoas.

Fabio Braga - 30.set.2016/Folhapress
Leandro Alves, 44, que pediu à Justiça revisão das pensões que paga às mães de seus dois filhos após ficar desempregado
Leandro Alves, que pediu à Justiça revisão de pensões que paga a seus filhos após ficar desempregado

É o caso de Leandro Henrique Alves, 44, que neste ano entrou na Justiça com um pedido de ação revisional. Em 2013, a loja de material de construção onde trabalhava foi fechada. Depois, ele teve hérnia de disco e ficou afastado do mercado de trabalho.

No ano passado, o morador de São Miguel Paulista (zona leste) conseguiu emprego numa clínica geriátrica, como auxiliar administrativo, mas também acabou saindo num corte. De janeiro até agora, diz ele, tenta voltar
para o mercado de trabalho. Hoje, quem paga as pensões que ele deve a dois filhos de mulheres diferentes é sua mãe.

Para a mãe de um dos filhos, a analista Patricia Meneses, "a proposta é incabível". "Com o valor que ele dá agora [cerca de R$ 300], não dá para pagar nem metade da escola do meu filho. Fora alimentação, roupas, remédios, convênio", diz.

"Sabendo das responsabilidades que eu tenho, não conseguiria ficar três meses desempregada. Eu estaria carregando papelão na rua para sustentar meu filho."

Quando um casal se separa, o valor da pensão, diz a advogada especialista em direito de família Sandra Vilela, é estabelecido pelo juiz tentando manter "o mesmo padrão de vida do filho de quando os pais estavam juntos" ou, se nunca estiveram juntos, um padrão de vida saudável. Para um filho, costuma ficar numa média de 15% a 20% do salário de quem deve a pensão.

No caso de desemprego, o tribunal não aceita o entendimento de que "20% de nada é nada". Os acordos costumam prever um valor a ser pago mesmo assim –ou ao menos deveriam, defende Vilela.

A advogada Aline Penha, da Defensoria Pública de SP, diz notar desde o começo do ano pessoas pedindo redução da pensão porque perderam o emprego ou porque, trabalhando de forma autônoma, estão ganhando menos.

Segundo ela, também as mulheres –que normalmente são as que recebem a pensão porque têm a guarda dos filhos– têm mudado o motivo para buscar o aumento do dinheiro. Se antes diziam que os custos com as crianças haviam aumentado, agora citam seu desemprego.

Mas nem sempre os pedidos são acatados pela Justiça. É preciso prova documental, como um extrato bancário, e não só a palavra de quem pede para conseguir a redução, de acordo com Penha.

O pedido feito pelo ex-companheiro da telefonista Carolina Munhoz, 33, de Santo André (Grande SP), foi recusado na Justiça. "Ele queria diminuir a pensão de 30% de sua renda para 15%", relata, "porque falou que cortaram suas horas extras no trabalho".

O pai de seu filho, um menino de 14 anos, é metalúrgico. "Eu gasto com meu filho, em média, 50% da minha renda pessoal, sem contar a do meu atual marido", afirma.

"A crise afeta as possibilidades financeiras do pagador, mas as crianças precisam ser alimentadas. Se o pai não paga, a mãe vai ter que se virar?", questiona o advogado Rodrigo Pereira, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

"Isso acaba sempre recaindo na mulher. O pai paga quando 'pode'. Já a mãe sempre dá um jeito de sustentar a criança", diz.

No ano passado, o ex-marido da cabeleireira carioca Cristiana Duarte, 35, que é taxista, alegou a crise –"disse que estava pegando poucos passageiros", conta ela. Ele chegou a ser preso por ficar um período sem pagar a pensão.

"O valor que ele paga não é suficiente nem para pagar a metade dos gastos com as nossas filhas", afirma. Nesse caso, o pedido foi negado.


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