Folha de S. Paulo


'Achei que fosse morrer', diz mulher sequestrada pela segunda vez em SP

Sentada no banco do passageiro, Flávia Donato, 43, fechava os olhos e pensava na família. No banco de trás do carro, um sequestrador segurava uma arma. O motorista os conduzia a 160 km/h pela estrada, fugindo de pelo menos dez carros de polícia. Ela se curvava, ora colocando as mãos nas têmporas, ora segurando o cinto e a porta do veículo. "Sentia medo completo. Achei que fosse morrer." Não era a primeira vez.

Como chegara até ali?

Era uma segunda à noite –esta segunda (19)–, "como todas as outras", diz ela: a filha mais velha, de 14 anos, esperava a mãe buscá-la na aula de dança; o marido e as outras três –de 12, 8 e 5– aguardavam em casa para o jantar.

Eduardo Anizelli/Folhapress
Flávia Donato, 43, que sofreu dois sequestros
Flávia Donato, 43, que sofreu dois sequestros

Às 20h30, saiu da escola das filhas, em Perdizes (zona oeste de São Paulo), após uma reunião de pais. O carro, uma caminhonete branca, estava estacionado na rua de trás. Flávia, uma fonoaudióloga que hoje fica em casa cuidando das filhas, falava ao telefone com o marido, o engenheiro Marcos Donato, 43, "só para avisar que estava tudo ok". Acabou surpreendida. Arrancaram o celular de sua mão e a empurraram para o banco do passageiro.

Do outro lado da linha, seu marido escutou um grito. A ligação foi encerrada. Tentou ligar novamente para Flávia, mas ela não atendeu. Telefonou ao 190 e, de carro, foi procurá-la perto da escola. Nada.

No carro, Flávia pedia: "Por favor, moço, fica com o carro, com a minha bolsa. Me deixa sair". "Queremos dinheiro, temos que pagar umas contas", respondiam. Quando ela não soube responder o limite de seu cartão, perguntavam, ríspidos: "Como você não sabe qual é o seu limite? Você usa o cartão para quê?"

Ela, para "compras de supermercado e gasolina". Eles, para saques e pares de tênis, como ela soube depois. Num semáforo, seu cartão foi entregue para a outra metade da quadrilha, um homem e uma mulher que foram para o shopping Bourbon, na Pompeia (zona oeste). Ali, fizeram um saque de R$ 1.000 e compraram quatro pares de tênis em lojas esportivas.

Exatos vinte anos antes, quando Flávia e Marcos eram apenas namorados, foram abordados num "Golzinho", na Vila Romana (zona oeste). Sequestro-relâmpago. "Fomos a vários bancos, sacamos dinheiro e eles nos deixaram na estrada", diz ela. "Depois, pararam o carro, abriram a porta e disseram: 'desce e corre'". Na ocasião, também pensou que fosse morrer –"achei que iam atirar em nós dois".

NOTIFICAÇÕES

Desta vez, Marcos tentava ajudar de casa. "Tive que administrar a criançada, sem transparecer preocupação, além de controlar a imaginação, que nos leva a pensar nas mais variadas hipóteses. Estava tenso, mas não podia deixar isso me impactar", afirma.

Ele começou a receber notificações no celular avisando sobre o uso do cartão. Ligou para uma das lojas e falou com a atendente, enquanto comunicava à polícia, na outra linha. "Eu já tinha feito a transação e estava fazendo o pacote deles. Estavam bem na minha frente", diz Evilaine Rocha, 24. "Fiquei muito assustada. Assim que saíram da loja, avisamos o segurança."

Depois de uma rápida perseguição no shopping, essa metade da quadrilha foi detida –a mulher chegou a se esconder no banheiro; o homem caiu no chão. Em depoimento à polícia, a mulher disse precisar do dinheiro porque tem uma filha de dois anos, afirmou não conhecer os outros sequestradores e estar "muito arrependida".

A notícia de que o plano tinha falhado não chegou aos sequestradores que estavam no carro. Com som alto –funk o tempo inteiro–, dirigiam pela marginal Tietê em direção ao aeroporto de Guarulhos.

"Eu perguntava: 'quando é que vou embora?'. Eles respondiam: 'que coisa chata, faz sempre a mesma pergunta?'", relembrou ela, nesta terça (20), com as mãos tremendo.

Como em 1996, agora o desfecho também seguia em direção à estrada. Os sequestradores fizeram um retorno, pegando a marginal em direção à rodovia dos Bandeirantes.

A polícia, enquanto isso, fazia rondas pela região, procurando o carro. "Uma das hipóteses era de que estaria na marginal Tietê", diz o tenente Allan Pazelli, 27, que comandou a ação policial. Por volta das 22h, uma hora e meia após o início do sequestro, o carro foi encontrado. Foi quando começou uma perseguição de quase 30 minutos.

O carro de polícia ligou a sirene. Assustado, o sequestrador acelerou. Já na rodovia dos Bandeirantes, mais de dez carros de polícia e um helicóptero passaram a seguir o veículo, entre 160 e 170 km/h.

"Corre, parça", suplicava o bandido de trás, que, nervoso, batia no vidro. O motorista reclamava para Flávia: "O carro não anda mais!".

Conseguiram furar dois bloqueios policiais na estrada, quase batendo em carros ao redor. Discutiam o que fazer: parar o carro e correr pelo mato ou atravessar o canteiro central e mudar o sentido.

Vendo que à frente havia um terceiro bloqueio, tentaram pegar um acesso. Mas era sem saída, no km 72, próximo ao parque Hopi Hari.

Para Flávia, "foi tudo muito rápido" –como sói ser.

Acuados, os sequestradores desceram do carro, sem resistir. Ela foi resgatada. Elogiosa aos policiais, lembra estar nervosa para digitar o número do marido no celular –pediu a um policial que o fizesse.

A arma do sequestrador era uma réplica.

Flávia espera não ficar traumatizada. "Da última vez, ficamos um tempo sem sair de casa. Agora, não vou mais à escola à noite. Mas não podemos ser prisioneiros. Não somos nós os bandidos."


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