Folha de S. Paulo


Mãe tenta entender por que PM matou seu filho e segue solto após 3 anos

A pergunta que a costureira Rossana Martins de Souza Rodrigues, 47, mandou pintar no muro de casa ao lado da imagem do filho continua, para ela, sem resposta. "Por que o senhor atirou em mim?"

Foi a última frase que Douglas Martins Rodrigues, o mais velho de seus três filhos, disse ao PM Luciano Pinheiro Bispo ao ser baleado por ele em 27 de outubro de 2013.

Douglas tinha 17 anos, estudava, trabalhava numa lanchonete em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, e entregava pizzas aos sábados. Foi abordado num domingo, dia de folga, quando ia com o irmão, então com 12 anos, encontrar um amigo que os convidara para ver um campeonato de pipa. Estava a uma quadra de casa.

Um carro da polícia passou pelos dois, às 14h, deu a volta na rua Bacurizinho, no Jardim Brasil (zona norte), e encostou ao lado deles. Testemunhas dizem que o PM, sem nada falar, desceu atirando. "A bala entrou no tórax. O médico me disse que dividiu o coração do meu filho em dois", conta Rossana.

Douglas ainda teve tempo de perguntar ao PM o porquê daquilo. Dentro do carro da polícia, enquanto era levado ao hospital São Luiz Gonzaga, olhava para um amigo e dizia: "O que eu fiz para ele?".

"Ele gritava de dor. Esperneava", conta a mãe, com base no que ouviu de quem testemunhou tudo. Quando ela chegou à cena do crime, só teve tempo de ver a polícia saindo e uma poça de sangue. Douglas morreu no hospital. Nos dois dias seguintes, moradores protestaram. Ônibus e caminhões foram incendiados em vários bairros.

Descobriu-se, depois, que a polícia fora chamada ao local devido ao som alto de um carro. "Se era ligação de perturbação de sossego, por que a PM não foi direto a esse carro?", questiona a costureira.

O policial alegou que o tiro foi acidental. Na hora de descer do carro, na versão dele, a porta voltou com força e bateu na pistola Taurus.40.

PROCESSOS

A família processou por danos morais e materiais o Estado e o hospital, onde funcionários fizeram um vídeo do atendimento ao jovem e o divulgaram na internet. O hospital diz que demitiu os responsáveis pelas imagens.

As decisões, em primeira instância, foram favoráveis à família do estudante. O Estado e o hospital recorreram. As indenizações, somadas, não chegam a R$ 500 mil.

A frustração de Rossana e do motorista de caminhão José Rodrigues, 46, pai de Douglas, é saber que quem atirou está em liberdade. O PM foi preso em flagrante, mas acabou solto poucos dias depois.

No fim de 2014, a Promotoria pediu que o caso, que corria na Justiça Militar, fosse enviado a júri popular, por entender que não havia nada de acidental naquele disparo.

Em abril deste ano, o caso saiu da Justiça comum e voltou à Justiça Militar, após outro promotor entender que o policial não teve a intenção de atirar contra Douglas. O PM, que perdeu a farda em setembro de 2014, será julgado por homicídio culposo (sem a intenção de matar).

O advogado dele, Eugênio Malavasi, diz que o cliente é inocente e que pedirá na Justiça sua reincorporação à PM. A Secretaria da Segurança Pública afirma não comentar casos que estão na Justiça.

Rossana espera a condenação. "Estou de pé porque busco Justiça. É o que me dá força. Como assim mata e fica por isso mesmo?", diz, vestindo camiseta estampada com o rosto do filho. A família fez mil delas. A costureira usa uma peça até para dormir.

Sua busca tem sido também por direitos. Há alguns meses, perdeu um benefício de R$ 1.140 do INSS pela morte do filho. Disseram-lhe que não foi comprovado que o jovem a ajudava financeiramente. Rossana vai insistir.

Ela diz ter visto o policial na época do crime, mas permaneceu em silêncio. "Minha vontade era perguntar: Por que você matou o meu filho?"


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