Folha de S. Paulo


Mulheres deslizam nas ondas do surfe no litoral de SP

A praia, qualquer uma delas, está lotada. Vale o sacrifício de cavar o seu cantinho –não necessariamente na areia, mas no mar. Nesta temporada de verão, mais que pegar um bronzeado, a ordem é pegar onda.

Em cena, a galera do surfe, ou melhor, os discípulos de Gabriel Medina e Adriano de Souza, o Mineirinho, os únicos brasileiros que conquistaram campeonatos mundiais e alavancaram o esporte nos últimos dois anos. Beldades como Claudinha Gonçalves e Bruninha Schmitz ajudam –e muito– a nutrir a nova imagem do esporte entre as mulheres.

Passa das 16h, quando uma turma de garotas, com prancha amarrada no tornozelo, pede licença para conseguir uma espaço nas águas apinhadas da Riviera de São Lourenço, no litoral paulista.

"Pego onda com `body-board` há cerca de um ano, mas nunca tive a oportunidade de surfar", conta a estudante Natalie Sura, 22, em sua aula-teste. "Acho o surfe mais desafiador. Você precisa de mais treino e prática."

Às vezes, porém, o simples fato de parar em pé na prancha já é motivo de euforia. "Consegui pegar duas ondas", comemorou a assistente social Iliane Geraldi Garcia, 43, que foi "arrastada" ao mar pela filha Rafaela, 13, atleta de nado sincronizado. "No começo, ela não conseguia ficar de pé, mas até que minha mãe se saiu muito bem", analisou a garota.

Verdade é que as mulheres driblaram a concorrência e já estão dominando as águas. Trocaram as longas horas de espreguiçadeira sob o sol por aulas de surfe, a onda do momento. Nas escolas especializados do litoral norte de São Paulo, as dedicadas alunas vêm incrementando as turmas.

Instrutor de surfe, Ronisson de Jesus, 30, do Sirena Surf, na Riviera, calcula que, dos seus 800 alunos nesta temporada, cerca de 80% são mulheres. De olho nesse público, Jesus criou uma promoção: "se não conseguir ficar de pé nos 60 minutos da aula, ao preço de R$ 70, ela não paga nada".

Antigamente, as "gatas da parafina" começavam a exercitar-se no "body-board". Agora, como os colegas homens, vão direto para o surfe, estimuladas pelos benefícios estéticos que a prática pode trazer para o corpo.

"O surfe me ajuda a moldar pernas e glúteos, além de ser um poderoso aliado contra a indesejável barriguinha", explica a estudante Izadora Baueb, prestes a completar 17 anos. Ela faz musculação e aulas de dança durante a semana e surfa nos fins de semana para "complementar a agenda de exercícios".

BIQUÍNI E PARAFINA

Um dos maiores redutos desse esporte, a praia de Itamambuca, no litoral norte de Ubatuba, é um cenário explícito desse ambiente conquistado pelas mulheres de prancha. Criada em 1995, a Escola Zecão de Surf assistiu à escalada feminina. No verão passado, elas não representavam nem 40% do total de alunos. Hoje, já somam 80%.

José Carlos Maciel Rennó, 53, o Zecão, conta que a maior parte das novas surfistas tem entre 12 e 20 anos, mas que há também "muitas senhoras na faixa dos 30 aos 50 anos". Na avaliação de Zecão, as mulheres são atenciosas e se envolvem muito mais no esporte. "Elas têm maior poder de observação."

O "surfista-instrutor" explica que são necessárias, no mínimo, duas horas para fazer a aluna estar apta a entrar no mar (ao custo de R$ 150). "As mulheres aprendem rápido", diz ele. Ainda assim, recomenda, pelo menos, mais duas aulas intermediárias, a R$ 100 cada uma.

Nestes tempos de sol intenso e grande procura, a escola de Zecão criou um programa especial. Aquelas que pretendem sair de lá como verdadeiras "rainhas da parafina" podem investir num curso completo de dez aulas, a R$ 800, que poderão ser distribuídas no prazo de um ano.

Em Camburi, as aulas vêm atraindo principalmente adolescentes, segundo Amaury Fonseca Júnior, 50, que, além de instrutor, é empresário do setor de pranchas. "O surfe está na moda."

Uma das alunas, no último sábado, era a estudante Gabriela Bertuzo, 17, que trocou a poluição de São Paulo pela maresia de Camburi há cinco anos. "Esse esporte é um dos ingredientes que escolhi para transformar a minha vida em algo melhor", diz a garota. "O surfe é item indispensável na qualidade de vida."

Outra aluna, a estudante Rafaela Santos Teixeira, 15, faz questão de dizer que ostenta uma assinatura de Medina, o campeão, em seu uniforme. Segundo conta, dois anos atrás, ela era a única garota a treinar no meio de 50 surfistas por aquelas águas. "É como uma terapia. O surfe me conecta com a natureza."

Existem, porém, interpretações, mais práticas, digamos. "As aulas vão me ajudar a voltar ao peso normal", acredita a secretária Jaqueline Tássia, 28, que retomou o esporte neste verão 2016, depois de uma pausa de um ano e meio provocada pela gravidez e nascimento de sua primeira filha.

Considerada praticamente uma "veterana" dessa turma, a produtora Carolina Ramos, 40, há cinco anos é adepta da modalidade. "Ninguém me empurrou na onda", diz ela, se referindo ao fato de ser auto-didata. "Aprendi vendo vídeos, lendo revistas e conversando com outros surfistas, mas umas aulinhas podem ajudar a encurtar caminhos."

Carol chegou a cortar o pé esquerdo na quilha, quando iniciou suas aventuras pelo mar. "É assim que se aprende. A gente cai e não desiste!" Diz mais: "O surfe não é uma tempestade de verão. Antes de um esporte, é um estilo de vida".


Endereço da página:

Links no texto: