Folha de S. Paulo


Análise

Atropelos para fechar Paulista ofuscam ação respaldada por urbanistas

O fechamento de vias como a Paulista para carros aos domingos tem aval de dois em cada três paulistanos (segundo pesquisa Ibope), conta com respaldo majoritário de urbanistas, não enfrentou forte gritaria de hospitais nem de adversários contumazes de Haddad na Câmara.

Parte da oposição vem de comerciantes e moradores –que, assim como vizinhos de feiras livres e de terminais de ônibus, temem os transtornos na porta de casa e algum engarrafamento dominical.

A principal resistência, entretanto, está no Ministério Público –que se sentiu ignorado diante da sua proposta de um debate mais amplo.

Os argumentos do prefeito de que a cidade requer mais espaços de lazer e que a prioridade são as pessoas, e não os carros, foram ofuscados pela inabilidade da gestão em lidar com a controvérsia.

Por mais questionável que seja a tentativa de promotores de interferir em políticas públicas desse tipo, Haddad acabou colocando a carroça na frente dos bois em pelo menos três momentos:

1) Ao anunciar a transformação da via em área de lazer, ainda no meio do ano, sem ouvir a minoria prejudicada –e que acabou incluída muito tarde nesse debate.

2) Ao ignorar as restrições de acordo feito em 2007 para que a avenida, tradicionalmente cobiçada por manifestantes, só fosse bloqueada três vezes por ano; embora tenha um argumento defensável de que a iniciativa agora diga respeito a uma política pública –e não à autorização para eventos–, uma discussão anterior evitaria desgaste.

3) Ao enaltecer "acordos" com a Promotoria antes que eles existissem e anunciar datas de fechamento da Paulista que ainda eram incertas; a estratégia, vista como tentativa de pressão, só serviu para agravar as resistências.

No final das contas, é possível que transtornos pontuais sejam abafados diante da transformação do cartão-postal em espaço de lazer para milhares de pessoas –ainda que outras áreas periféricas da cidade merecessem prioridade em ações do tipo.

Apesar do rompimento meritório com a questionável prioridade aos carros, Haddad deve levar na bagagem um desgaste e a imagem de pouco transigente –além do risco de reviravoltas judiciais por afronta aos promotores.

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IDAS E VINDAS
Fechamento da avenida Paulista para carros aos domingos é alvo de impasse desde junho

28 de junho - Teste
> Prefeitura testa fechamento da Paulista na inauguração da ciclovia na avenida e planeja tornar a medida permanente aos domingos. Comerciantes e moradores se queixam de que não foram ouvidos

18.ago - Anúncio
> Haddad anuncia fechamento da avenida para inauguração de nova ciclovia e diz que a medida pode valer para todos os domingos. Dois dias depois, diz que pode ser só uma vez por mês

21.ago - Pedido
> Ministério Público encaminha à prefeitura recomendação para que a Paulista não seja fechada. Alega que acordo de 2007 limitou a três por ano os bloqueios na via e que já estariam esgotados em 2015

22.ago - Segurança
> Após sinalizar que descumpriria a recomendação do MP, prefeitura recua e diz que só bloquearia a passagem de veículos por "questões de segurança", se houvesse aglomeração de pessoas

23.ago - Ciclovia
> Paulista é interditada para a inauguração da ciclovia na avenida Bernardino de Campos

24.ago - Inquérito
> O secretário de Transportes diz que a decisão de fechar novamente a avenida só dependeria da "decisão do prefeito". No dia seguinte, inquérito sobre bloqueio é aberto na Promotoria

4.set - Acordo?
> Prefeitura divulga ter feito acordo com a Promotoria, que concordaria com a Paulista fechada se houvesse audiências, estudos e ampliação da medida. Dias depois, promotores negam a versão de acordo

19.set - Audiência
> Audiência pública é realizada no vão do Masp e prefeitura diz esperar fechamento da via no domingo seguinte

2.out - Sem acordo
> Promotoria rejeita resultado da audiência e nega acordo por ora

9.out - Parcial
> Ministério Público propõe fechamento parcial da avenida aos domingos, deixando uma faixa aberta ao tráfego

15.out - Decisão
> Prefeitura anuncia fechamento da Paulista aos carros no próximo domingo; Promotoria ameaça ir à Justiça

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ARGUMENTOS

A favor
> Cria espaço de lazer em área com grande oferta de serviços e de fácil acesso
> Favorece a segurança ao estimular a convivência de pedestres e ciclistas
> Trânsito no domingo costuma ser mais tranquilo, com menor movimento??

Contra
> Prejudica o acesso de moradores e de pacientes/visitantes dos hospitais
> Estabelecimentos comerciais da via temem queda no movimento
> Vias paralelas não comportam o tráfego da Paulista, especialmente de ônibus

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VERSÕES DIFERENTES

Por que a Promotoria rejeita fechar a Paulista?
Ela diz que um acordo assinado em 2007 com a prefeitura limitou a três por ano os eventos de duração prolongada e com interrupção da via. Além disso, afirma que a audiência pública para debate do assunto foi desorganizada e em local inadequado.

O que a prefeitura diz?
Ela afirma que usar a via para lazer é uma política pública, e não um evento privado (alvo do acordo de 2007), que a audiência pública no vão livre do Masp foi bem organizada e divulgada e que atendeu às exigências feitas pelo Ministério Público.


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