Folha de S. Paulo


Ônibus acidentado tinha quase o dobro de passageiros permitido, diz polícia

O ônibus da empresa Colitur envolvido no acidente que deixou 15 mortos e 66 feridos no domingo (6), em Paraty (RJ), já havia sido multado duas vezes por excesso de velocidade na região da costa verde fluminense.

De acordo com o Detran (departamento de trânsito), as duas infrações ocorreram na BR-101, na altura do município de Paraty, em agosto de 2014. As multas, de R$ 85,13, foram por "transitar em velocidade superior à máxima permitida" e ainda não foram pagas.

Segundo a polícia de Angra dos Reis (RJ), o ônibus da empresa Colitur tinha capacidade máxima para 45 passageiros, mas transportava 82 pessoas no momento do acidente, quase o dobro do permitido. Boa parte dos embarcados viajava em pé.

Familiares das vítimas continuam chegando ao IML (Instituto Médico Legal) de Angra dos Reis para identificar os corpos nesta segunda-feira (7). O corpo da estudante Gabriele Mateus de Macedo, 21, que cursava publicidade na Faculdade Butantã, é um dos onze já identificados (veja a lista completa no fim da matéria). Ela estava com um grupo de nove amigas em Paraty, de acordo com a tia e madrinha Marcia Cristina Oliveira.

"A diversão dela era viajar, conhecer o mundo. O sonho dela era ir para o exterior", disse a madrinha, que foi ao IML acompanhada do pai de Gabriele. Outras duas vítimas, o casal Robson Antunes Braga, 52, e Claudia Maria Arruda, 54, também foram reconhecidas, por um casal de primos.

Robson e Claudia, que também morreram, moravam em Timóteo (MG) e encontraram por acaso os primos Rafaele e André em Paraty. Eles combinaram de se encontrar em Trindade.

"Fomos de carro e não sabíamos que eles iam de ônibus. Vimos que eles demoraram e ficamos preocupados. Soubemos do acidente e achávamos que a estrada estava fechada, por isso não chegaram. Como não conseguimos contato, começamos a procurar nos hospitais", disse Rafaele.

Outros cinco corpos continuam no IML de Angra dos Reis à espera de identificação.

Assista

O delegado Márcio Teixeira de Melo, inicialmente responsável pelo caso, afirmou ter ouvido de alguns feridos que o ônibus trafegava a uma velocidade baixa, mas começou a acelerar até tombar.

"Não dá para dizer que o acidente foi causado pela superlotação ou por uma falha mecânica. É preciso esperar a perícia. Informalmente, ali no local, o perito comentou que não seria um problema do freio, mas mesmo isso precisa ser analisado melhor", afirma. O ônibus foi apreendido pela Polícia Civil e será levado para perícia.

"Isso indicaria ser um defeito no freio, mas pode ter ocorrido outro defeito mecânico. Apenas um dos pneus está em mau estado de conservação, mas ele não estourou. Precisamos aguardar a perícia", disse o policial.

O promotor Vinícius Ribeiro, que atuará no caso do acidente de domingo (6), espera estar em 15 dias com os laudos da perícia sobre o local onde o ônibus da Colitur tombou. "Vamos apurar se alguém foi responsável por este acidente. A perícia vai apontar se o ônibus tinha ou não condições de trafegar", afirma o promotor.

Os investigadores já tem a informação de que o ônibus envolvido no acidente tinha duas multas, de agosto de 2014, ambas por excesso de velocidade.

Na quarta (9), o inquérito deve chegar fisicamente à delegacia de Paraty. Nesta terça (8) é feriado no município, que comemora a semana da padroeira, Nossa Senhora dos Remédios.

A Folha não encontrou os empresários Francisco José de Oliveira Rezende e Paulo Afonso de Paiva Arantes, sócios da Colitur. O advogado Rogério Serpa Cardoso, que defende a empresa em processos na Justiça também não foi localizado para comentar o caso.

MOTORISTA

O motorista que dirigia o ônibus no momento do acidente, Marcel Magalhães Silva, 50, teve alta nesta manhã de segunda (7), na Santa Casa de Ubatuba (SP). Silva está no setor de observação, aguardando a chegada da ambulância da prefeitura de Paraty que irá levá-lo de volta ao município sul-fluminense.

O hospital de Ubatuba atendeu mais sete passageiros do ônibus que tombou na estrada conhecida como Deus me Livre, em Paraty. Desses, cinco já tiveram alta. Estão internados em estado estável Wallace Ferreira, 27, e Inês Moneda Aroli, 70, moradores de São Paulo; e Ana Paula Lene, 47, cuja cidade de origem não foi informada.

Amigo do motorista, o comerciante Alberes Claudino, 41, disse que ele não costumava fazer o trajeto Paraty-Trindade , onde aconteceu o acidente.

"Ele não costumava fazer essa linha não. Ele fazia Paraty-Angra. Marcel dizia que a linha para Trindade era a pior que tinha. Os carros são muito velhos e a estrada perigosa", afirmou Claudino.

ACIDENTE

O veículo seguia do centro de Paraty para Trindade, bairro a cerca de 32 km, quando tombou no acostamento no trecho conhecido como Morro Deus Me Livre, assim chamado por ser uma estrada sinuosa e ladeada por abismos.

A maioria dos passageiros eram turistas. Fotos e vídeos publicados na internet mostram que grande parte dos passageiros eram jovens.

Em nota, a empresa dona do ônibus diz lamentar o acidente e que irá investigar suas causas.

"A Colitur lamenta profundamente o ocorrido e informa que está apurando as causas do acidente e prestando todos os esclarecimentos às autoridades. Informa também que está prestando todo o apoio às vítimas e aos familiares das vítimas fatais".

MINISTÉRIO PÚBLICO

A empresa Colitur Transportes Rodoviários é velha conhecida dos moradores do sul fluminense. Em 2005, o Ministério Público estadual instaurou uma investigação contra a empresa pelas "péssimas condições dos ônibus que trafegam pelo município de Paraty".

Há dez anos, a investigação começou com 534 assinaturas da Associação de Moradores, Agricultores e Pescadores de Barra de Corumbê. Na ocasião, a denúncia relatava que os veículos trafegavam em péssimas condições, os motoristas eram despreparados e a empresa estava envolvida em uma série de acidentes.

A associação ainda narrava na denúncia que os veículos da Colitur enviados a Paraty vinham sucateados de cidades maiores da região sul fluminense, como Volta Redonda e Barra Mansa (RJ), onde está a sede da empresa.

Uma ação civil pública é acompanhada pelo promotor Alexander Veras, que atua em Angra dos Reis (RJ). A ação trata da má prestação de serviços pela empresa, como também, vícios na concessão pública realizada sem licitação.

Por 30 anos, a Colitur atuou em Paraty por uma concessão do município e não por um processo licitatório. Para essa concessão bastava aprovação da Câmara Municipal. Em 2002, o Tribunal de Justiça do Rio decidiu que essa medida era inconstitucional, mas mesmo assim a empresa continuava operando sem licitação.

Apenas em fevereiro deste ano o prefeito Carlos José Gama Miranda, o Casé (PT), interrompeu a concessão e decidiu abrir um processo de licitação. Até o momento, a licitação não foi concluída.

"Espero concluir em 40 dias. Houve alguns trâmites, algumas questões que estamos resolvendo. Realmente, a empresa está atuando precariamente, com um processo em andamento. Infelizmente, este fato [o acidente] aconteceu", afirmou o prefeito.

Miranda diz que em dois anos a Colitur já foi alvo de mais de "100 notificações aplicadas pela prefeitura".

Em 2014, as empresas de ônibus que atuam em Paraty assinaram um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) em que se comprometem a colocar ônibus adequados para circular no município, além de auxiliar as autoridades na fiscalização dos veículos. A única empresa que se recusou a assinar o acordo foi a Colitur.

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VÍTIMAS FATAIS DO ACIDENTE QUE FORAM IDENTIFICADAS

> Bruno Mariani da Silva, 26, de Ferraz de Vasconcelos (SP)
Trabalhava em uma fábrica de tecidos e fazia curso para ser designer –deixa dois filhos, um de três meses e outro de seis anos de idade

> Claudia Maria Arruda, 54, de Timóteo (MG)

> Robson Antunes Braga, 52, de Timóteo (MG)

> Gabriele Mateus de Macedo, 21, de São Paulo
Cursava publicidade na Faculdade Butantã –havia viajado com a amiga Kathellyn

> Kathellyn Fernanda Xavier de Abreu, 18, de São Paulo
Cursava pedagogia e havia acabado de passar num concurso para inspetora na rede municipal –havia viajado com a amiga Gabriele

> Juliana Rocha Medeiros dos Santos, 26, de São Paulo
Estudava direito na UNIP

> Tatiane de Assis Albuquerque, 38, do Rio
Moradora da Ilha do Governador, zona norte da cidade. Moradora da Ilha do Governador, zona norte da cidade. Ela havia viajado a Paraty com o marido, Adailto Antônio Brás Sobrinho, 37, e um grupo de amigos. Adailto, que também estava no ônibus, está internado num hospital em Angra dos Reis

> Thalita Amâncio de Souza, 31, de São João de Meriti (RJ)
Irmã de Raquel; ambas estava com a Tatiane

> Raquel Amâncio de Souza, 39, de São João de Meriti (RJ)
Irmã de Thalita; ambas estava com a Tatiane

> Vanilda Santana Moura, 62, de São Paulo
Ela havia viajado à Paraty com três filhos e outras duas pessoas. Estava no ônibus com um de seus filhos.

> Sueli Testai Atui, 68, de São Paulo
Viajava com uma amiga que tem dificuldade de locomoção e que se feriu no acidente, mas não morreu

Mapa: Local do acidente


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