Folha de S. Paulo


A PM deveria ter agido antes, diz família de herói da Catedral da Sé

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Familiares do homem que salvou uma refém e foi morto a tiros na escadaria da Catedral da Sé na tarde desta sexta-feira (4) criticaram a ação da Polícia Militar.

Ex-mulher do pedreiro Francisco Erasmo de Lima, 61, a auxiliar de limpeza Isabel Pereira Rodrigues, 58, diz que a polícia demorou a agir. Ele subiu as escadarias pela lateral e, sem ser notado, se jogou contra o homem armado que havia imobilizado a mulher e a jogado ao chão.

Na manhã deste sábado (5), a Folha conversou com os familiares do "herói da Sé", quando eles saíam no IML (Instituto Médico Legal), em Pinheiros.

"Eu achei que eles [PMs] deveriam ter ido prender o cara e não ter deixado ele [Francisco] passar na frente para tomar tiro. Então acho que foi falha, sim, do policial. O policial estava vendo a confusão, mas deveria ter ido lá, mas não foi e ele foi", disse a ex-mulher, que, na tarde de sexta, recebeu uma ligação de uma das filhas avisando sobre o episódio que passava na TV.

Após rápida luta corporal, Francisco foi baleado com pelo menos dois tiros por Luiz Antonio da Silva, 49. O pedreiro caiu morto ao lado do portão principal da igreja, enquanto Silva foi morto por PMs que faziam ronda na região da praça e foram os primeiros a chegar ao local.

Mas, para o perito criminal Nelson Massini, professor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a Polícia Militar não errou nem cometeu excessos na ação. Ele analisou a pedido da Folha imagens da TV Bandeirantes e vídeos feitos por testemunhas.

"A polícia poderia ter atirado antes, havia legitimidade para isso. Houve um momento em que a refém tenta tirar a arma das mãos do homem e ele fica em posição de descanso. Se fosse a polícia americana, teria atirado", disse.

Segundo Massini, os policiais que estavam naquele momento na praça da Sé eram de rua, que faziam patrulha na região, sem experiência ou preparo para uma ação rápida, como exigia a situação. Para ele, é compreensível que os PMs agissem com cautela, sobretudo pelo local, cartão-postal da cidade.

"A dúvida é se a polícia poderia ter atirado antes, mas todos foram pegos de surpresa. Optaram por não atirar. Não há o que condenar. Essa é uma decisão difícil que deve ser tomada em muito pouco tempo, com base em pouquíssimas informações", afirmou.

Todo o episódio, com duas mortes em um dos principais cartões-postais da cidade, será alvo de investigação da PM, inclusive a ação dos policiais.

Em nota neste sábado (5), a Secretaria Estadual da Segurança Pública afirmou que "a ação desenvolvida na praça da Sé era de elevado grau de complexidade pela extensão da área, pela velocidade dos acontecimentos e pela agressividade do autor. Alguns policiais conseguiram chegar rapidamente e evitar uma tragédia ainda maior. O caso será investigado pelo DHPP [Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, da Polícia Civil]".

SEM SURPRESA

A atitude de Francisco, pai de três filhos, não surpreendeu os familiares. "Quando tinha uma discussão ele sempre falava para o pessoal não brigar. Ele sempre separava as brigas", conta Isabel.

Francisco atualmente fazia bicos de pedreiro e costumava dormir em albergues do centro. Mesmo assim, não perdeu contato com a família.

Filha dele, a operadora de caixa Juliane Aparecida Pereira da Silva, 32, diz que ficou sabendo por WhatsApp da morte do pai. Foi aí que ligou a televisão e presenciou a ação.

"Eu vi a atitude do meu pai de herói. Ele foi certo, mesmo que tenha morrido e tudo", disse ela, com um jornal que contava a tragédia debaixo do braço. "Ele sempre tentou ajudar os outros, mas essa atitude acabou com a vida dele".

A poucos metros dali, em frente ao IML, estavam os familiares do homem que matou Lima. Um irmão de Luiz Antonio chegou a aceitar conversar com a reportagem, mas foi retirado do local pelos demais parentes.

FICHA CRIMINAL

Herói da Sé, Francisco tinha uma longa ficha criminal, com ao menos quatro casos. O primeiro deles é uma prisão em flagrante por homicídio doloso ocorrido em 1980. Depois disso, também foi processado em 1995 por periclitação de vida (por colocar a vida de pessoas em risco), em 1998 por incêndio e em 2000, por receptação.


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