Folha de S. Paulo


Ministro do STF critica manobra que permitiu aprovar a nova maioridade

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello criticou nesta quinta-feira (2) a manobra regimental do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que permitiu a aprovação, em primeiro votação, da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos.

A proposta havia sido rejeitada pela Casa na madrugada de quarta (1º) e voltou a ser discutida e aprovada menos de 24 horas depois. O texto ainda precisa ser votado em um segundo turno pela Casa e ser analisado pelo Senado.

Marco Aurélio disse à Folha que esse tipo de procedimento traz preocupação, uma vez que "não pode prevalecer critério de plantão" e que, diante deste cenário, a "tendência é vingar o jeitinho brasileiro."

Segundo o ministro, a Constituição é clara ao sustentar que uma proposta de modificação em seu texto que for rejeitada não pode ser votada no mesmo ano pela Casa legislativa.

Editoria de Arte/Folhapress

O texto aprovado é mais brando que a proposta inicial, pois excluiu a possibilidade de redução da maioridade para os crimes de tráfico de drogas, terrorismo, tortura e roubo qualificado (com armas de fogo, por exemplo).

Cunha argumentou que, como o parecer da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foi rejeitado, ainda era preciso votar o texto principal.

"A Constituição é muito clara ao dispor que, rejeitada ou declarada prejudicada certa matéria, a reapresentação só pode ocorrer na sessão legislativa seguinte, paragrafo 5º do artigo 60 da Constituição que está em bom português. Parece que a tendência é vingar o jeitinho brasileiro", disse o ministro.

"Toda vez que há o desprezo à lei das leis, nós temos preocupação. Não se avança culturalmente assim. Não pode prevalecer o critério de plantão. O que tem que prevalecer é a Constituição", completou.

Marco Aurélio disse esperar um novo recuo da Câmara e até uma discussão no Supremo. "Quem sabe haja um arrependimento eficaz, e temos ainda o Senado da República. De qualquer forma, se prosseguir o quadro, a última trincheira que é o Supremo", disse.

No início da noite, Cunha afirmou que o ministro Marco Aurélio não tem o fato específico em mãos para julgar e, por isso, falou em tese sobre o assunto.

"Ele deve ter feito algum comentário sem conhecer. Lendo o artigo da Constituição eu também interpreto do mesmo jeito. Mas o caso aqui é diferente da alegação que está colocada", disse.

Em seguida, alfinetou. "Quando chegar na mão dele para julgar alguma coisa concreta, ele certamente antes de se pronunciar vai ver as próprias decisões que o Supremo tomou e das quais ele fez parte e que foram contrárias ao que ele falou hoje."

REPERCUSSÃO

Outro integrante do Supremo, ouvido pela Folha sob a condição de anonimato, disse, no entanto, que é preciso avaliar se a manobra regimental não se trata de uma questão interna da Câmara.

O ministro disse que ainda não é possível avaliar eventuais implicações da redução da maioridade penal, como norma para tirar carteira de habilitação ou mesmo compra de bebidas alcoólicas.

Pelo Twitter, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa também criticou indiretamente a manobra de Cunha. "Matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. O texto acima citado é o artigo 60, parágrafo 5º da Constituição brasileira. Tem tudo a ver com o que se passa neste momento na Câmara dos Deputados", afirmou.

Barbosa classificou de insensatez apoiar a redução da maioridade penal. "Quem conhece as prisões brasileiras (e os estabelecimentos de "ressocialização" de menores) não apoia essa insensatez".

Ed Ferreira/Folhapress
Deputados com faixa a favor da redução da maioridade penal em sessão na Câmara nesta quarta-feira (1º)
Deputados com faixa a favor da redução da maioridade penal em sessão na Câmara nesta quarta-feira

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