Folha de S. Paulo


Por autocontrole, policiais do Espírito Santo meditam em mosteiro zen

Meditação, cerimônia do chá e caminhada pela trilha de um mosteiro. Essa foi, durante 24 horas, a rotina de treinamento de policiais civis do Espírito Santo, o segundo Estado com maior número de mortes por arma de fogo do país, segundo dados do Mapa da Violência 2015.

Participaram das atividades no Mosteiro Zen Morro da Vargem, em Ibiraçu (a 70 km de Vitória), 27 investigadores e 24 delegados novatos. O objetivo: aprender a servir, a manter o autocontrole e a concentração e, ainda, ampliar a formação humanista.

"Aqui eles precisam arrumar a própria cama, lavar seus utensílios de cozinha e, principalmente, aprender a servir o outro", diz uma das instrutoras da Acadepol (Academia de Polícia do Espírito Santo), Therezina Abranches.

"Ninguém vai sair daqui atirando melhor", diz Dilson Vicente Nunes, coordenador do Núcleo de Armamento e Tiro da Acadepol. "Mas todos vão sair daqui com mais autocontrole, autoconhecimento, disciplina e concentração. Quem tem isso, sempre fará seu trabalho melhor, seja ele qual for", acredita.

Vagner dos Santos Malaquias, 38, foi policial em Brasília por oito anos antes de ser aprovado no concurso para delegado no Espírito Santo, em 2014. Para ele, as técnicas aprendidas no mosteiro podem ser úteis no trabalho.

"Quando fiquei sabendo que havia esse treinamento, fiquei curioso. A imagem que se tem de um mosteiro é de um lugar calmo, de muita concentração e meditação, pouco relacionado com o trabalho policial. O interessante é que tem tudo a ver", diz.

Entre os investigadores que participaram da vivência, a maioria foi aprovada em um concurso público realizado em 1993, mas só conseguiu ingressar na polícia agora, com liminar da Justiça.
"Estamos em uma situação jurídica ainda instável e vulnerável", diz o investigador Alcione Pinheiro, 47. "Precisamos redobrar o foco para fazer bem nosso trabalho."

Responsável pelo treinamento, o abade Daiju Bitti vê com naturalidade o trabalho com o grupo. "Disciplina e foco são características importantes em qualquer trabalho. Humildade e disposição para servir ao próximo também", afirma.

Para o diretor da Acadepol, delegado Heli Schmittel, é preciso dar ao policial, que tem contato diário com a violência, instrumentos para lidar melhor com as tensões inerentes ao trabalho.
Já o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santo, Jorge Emílio Leal, diz que há medidas mais urgentes. "Eu não sou contra o treinamento no mosteiro e entendo que toda ação que visa qualificar, melhorar o lado humano do policial, é boa. Contudo, dentro da atual realidade da Polícia Civil do Espírito Santo, há outras prioridades", afirma ele.

Entre elas, diz o policial, está o treinamento para dirigir veículos de emergência.


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