Folha de S. Paulo


Evento defende que droga seja tratada como questão de saúde pública

Ex-presidentes e especialistas foram enfáticos ao defender, em evento nesta quarta (23), no Rio, que o uso de drogas deve ser tratado como uma questão de saúde pública, e não como um crime.

Entre eles estava o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, anos após deixar o cargo, passou a levantar a bandeira da descriminalização.

Foi citado o exemplo de Portugal, que há 14 anos descriminalizou o uso de todas as drogas e aumentou a escala de tratamento para os que precisam.

"Descriminalização é um ato de civilidade. Não tem sentido tratar usuário como criminoso. Outra coisa é o contrabandista. Ao descriminalizar, você não está automaticamente legalizando", disse Cardoso no evento.

Para os participantes, não tem justificativa a tese que diz que o consumo de drogas aumentaria se houvesse a descriminalização.

"Isso é uma paranoia coletiva. Temos evidências de que isso não vai acontecer. Nos lugares onde as políticas públicas de drogas são mais flexíveis, existe uma tendência à diminuição do consumo. Por exemplo, na Holanda, onde houve uma redução no número de usuários de maconha nos últimos 40 anos", disse o professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Unifesp, Dartiu Xavier da Silveira.

Participaram da mesa com FHC e Silveira a ex-presidente da Suíça e presidente da Comissão Global de Política Sobre Drogas, Ruth Dreifuss e o diretor da Drug Policy Alliance, Ethan Nadelman. Organizado pela Open Society Foundation, o debate precede uma assembleia geral da ONU, em 2016, que vai discutir políticas públicas sobre drogas para os próximos dez anos.

Os participantes lembraram que a "guerra contra as drogas", o esforço mundial de repressão contra o seu consumo, foi perdida, e Silveira apontou que a demonização da droga em si não é uma boa forma de lidar com o problema.

"As drogas não são o inimigo. A grande maioria dos usuários de drogas, sejam elas lícitas ou não, não se torna dependente. A cada 100 usuários de maconha, nove se tornam dependentes. Para o álcool, são 25 a cada 100. O problema não é a substância em si, mas algo a mais que leva as pessoas a se tornarem dependentes."

Para eles, é importante que haja uma política de redução de danos para aqueles que de fato precisam de tratamento, como ocorre na Suíça. Nesse contexto, Nadelman citou a iniciativa da Prefeitura de São Paulo na cracolândia como um boa iniciativa.

De acordo com os participantes, a exclusão social é um dos fatores que motivam a dependência. Num ciclo vicioso, são as pessoas marginalizadas que são mais afetadas pelas políticas repressivas.

"No Brasil, a possibilidade de ser preso aumenta se a pessoa for pobre, negro ou mulher", disse FHC.

O ex-presidente diz achar que, no Brasil, é preciso amadurecer o debate sobre política de drogas antes de levá-lo ao Congresso.

"Nós estamos ainda num momento em que é preciso ampliar o debate sobre qual é a melhor maneira de lidar com a questão das drogas. Não creio que tenha chegado ainda o momento para o Congresso assumir esse tema. Vocês sabem tão bem quanto eu que ele está envolvido em outras questões que estão atraindo muito mais a atenção do público. Seria precipitação nossa abrir um debate no Congresso sobre essa questão."

Para ele, o obstáculo no Congresso não é o conservadorismo, mas o atraso. "No Brasil, as pessoas não são nem conservadoras nem de esquerda, são atrasadas", resumiu.

FHC disse achar que o governo atual parece não se sensibilizar com a questão. "Existe uma enorme hipocrisia no Brasil. O acesso à droga é livre na mão do traficante. As pessoas estão nas mãos deles. O Estado não pode deixar isso ocorrer", disse o ex-presidente.


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