Folha de S. Paulo


'Não sou 'sex symbol', nem me sinto como', diz nova Globeleza

No começo da tarde, um taxista recebe uma chamada para buscar quatro passageiros no parque Ibirapuera. Ele não faz ideia, mas a mais nova Globeleza é um deles.

Pouco mais de uma hora antes, às 12h30, Erika Moura havia chegado esbaforida e apressada ao local. Sob um calor de 34º C, o símbolo do Carnaval da Globo trazia maquiadora, assessora e um fotógrafo/amigo pessoal a tiracolo. Estava mais de 40 minutos atrasada para o encontro com a Folha quando apareceu sobre a grama.

Salto alto, cabelão armado e maquiagem, era impossível não chamar a atenção de qualquer um. Usava vestido azul escuro curto, com shorts preto por baixo. Revelador, mas, ainda assim, um modelo muito bem comportado para os padrões carnavalescos que se seguirão.

Não que ela vá ser vista alternando fantasias. Globeleza usa apenas uma, e pintada. Inconfundível, no entanto.

Aos 22 anos, Erika é uma mulher esguia. Menor do que a televisão faz crer, tem 1,67 m e 55 quilos. Veste 36, o suficiente para cobrir 81 cm de busto, 66 cm de cintura e 96 cm de quadril. "Não sou 'sex symbol', nem me sinto como", desdenha ela, que namora há quase dois anos um bailarino.

Ela é a quinta mulher no posto "inaugurado" por Valéria Valenssa na década de 90. A quarta, Nayara Justino, passou apenas um Carnaval sambando na TV. "Gostaria e acho que merecia ter continuado. Mas respeito a opinião da emissora", diz ela, que sofreu com comentários racistas na internet no ano passado.

Na coxa direita de Erika, de perto, pode-se ler: "Respeito e amor, devido valor". A frase tatuada é uma homenagem cruzada entre ela e a prima Vanessa, que estampou uma igualzinha, explica a dançarina que deve ser a musa mais despida de todo o Carnaval brasileiro.

O que diriam lá na "quebrada" do Jardim Colombo, comunidade carente na zona sul de São Paulo, onde ela cresceu?

Apesar de vez por outra já deixar escapar um "messssmo", a mulata é uma autêntica "mina da perifa", a primeira paulistana a ocupar o posto. "É um bairro tranquilo", diz, sobre a comunidade próxima à favela de Paraisópolis onde virou "rainha".

Fã de pagode, o Carnaval entrou em sua vida em 2009, quando passou a desfilar na Mocidade Alegre. "Nós éramos também do [associação] Meninos do Morumbi. Fazíamos as correrias dos ensaios e ela era sempre muito alegre", diz Gabriela Barbosa, companheira de dança.

Antes do samba, no entanto, a dança já fazia parte de sua vida. Erika também fez parte do Erês de Ébano, projeto social onde as crianças aprendem danças étnicas. "Ela chegou nova, como todos chegam, mas dava para ver que tinha algo diferente", diz a arte-educadora e diretora do grupo Vera Oliveira, que também atua no Meninos do Morumbi.

'PUXADINHO'

Filha de um porteiro e de uma cozinheira, a Globeleza tem um irmão de 18 anos, evangélico. "Minha família sempre me apoiou, inclusive meu irmão. Lá em casa nós respeitamos muito as escolhas do outro", afirma.
O valor do contrato, ela não revela, mas diz que investirá na casa dos pais -que vai crescer. Até novembro, quando foi escolhida, ela dividia o quarto com o irmão. Agora divide seu tempo entre a "perifa" e a Barra da Tijuca, no Rio.

"Já estamos fazendo um 'puxadinho' com o quarto. Mas vou guardar um pouco para investir nos estudos."

Enquanto trabalhava como jovem aprendiz, Erika cursou três períodos de Fisioterapia mas teve que abandonar a faculdade. "Fiquei desempregada e tive que sair", afirma.

No futuro, ela espera voltar, mas para fazer educação física. "Meu sonho é montar uma academia de dança e acabar meus estudos. Quero abrir meu negócio para seguir na carreira e expandir meus conhecimentos em outras artes", afirma.

Bem articulada, vai explicando seus planos enquanto posa para as fotos. De repente, um segurança do parque resolve intervir. Está incomodado com a mulata se escorando nas paredes da Oca e cobra a autorização para a sessão ser realizada. "Você vai me desculpar, mas depois acontece um acidente e como é que fica?", pergunta.

De posse do aval e ciente da identidade da modelo, não vai embora.

A sessão continua e muda de lugar, o segurança vai junto. Observa, aguarda e resolve se aproximar da reportagem. "Você vai me desculpar, mas será que ela aceita tirar uma foto comigo?"

São quase 14h, e em frente ao Ibirapuera, maquiadora, assessora, fotógrafo/amigo pessoal e Globeleza, estão sentados no ponto de ônibus, escondendo-se do sol, enquanto aguardam um novo táxi.

Acabam de receber a mensagem via aplicativo de celular que o primeiro taxista foi até o local, mas recusou a chamada. Talvez ele nunca saiba quem era, mas caso isso aconteça... grande erro, mano.


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