Folha de S. Paulo


Karolaine Souza, 21

Mulher contraria prognóstico e tem filha após ter 43% do corpo queimado

Adriano Vizoni/Folhapress
Karolaine Souza, 21, com a filha Mariana, que nasceu em agosto
Karolaine Souza, 21, com a filha Mariana, que nasceu em agosto

A auxiliar administrativa Karolaine Souza, 21, foi vítima de violência doméstica e teve 43% do corpo queimado em uma briga com o ex-namorado quando tinha 18 anos.

Depois de lutar meses para sobreviver, os médicos lhe disseram que ela não poderia engravidar. Porém, após ser pega de surpresa no 4º mês de gestão, ela não desistiu e teve a filha em um parto natural em São Paulo, pouco tempo depois da tragédia.

*

Um "acidente" que aconteceu por causa de um frustrado e doentio namoro me deixou com 43% do corpo queimado em abril de 2012.

As queimaduras foram provocadas após álcool ter sido jogado no meu corpo. Não gosto de falar sobre isso, pois nunca denunciei o caso.

Fiquei três meses internada, dois deles entubada na UTI, com transfusões de sangue, cirurgias e parada cardiorrespiratória.

Ainda tive que ouvir frases do tipo "quem vai te querer assim?" e "você não serve para mais nada".

Tive depressão, fiquei meses sem andar e um ano sem mexer o braço direito. Fiquei careca, perdi 15 quilos, passei por cirurgias, enxertos. Aprendi a aceitar as cicatrizes. Às vezes, até esqueço delas.

Ainda no hospital, foi muito difícil ouvir dos médicos que eu nunca poderia engravidar. Minha pele não tinha elasticidade e, devido à quantidade de medicamentos que tomo, jamais poderia ter um bebê. Já estava conformada que só seria mãe adotando.

Comecei a namorar novamente um outro rapaz e, um ano e oito meses após o meu acidente, passei a sentir enjoos e indisposição. Imaginava que era por causa das queimaduras e do tratamento, mas, mesmo assim, resolvi fazer um teste de gravidez.

Fiz o exame de sangue e descobri que estava grávida de quase quatro meses. Na semana seguinte, um ultrassom revelou que eu esperava a Mariana. Ouvi dos médicos que daquele mês ela não passaria. Passou.

Tive crises de cólicas renais quase insuportáveis, falta de ar, e cheguei a desmaiar algumas vezes. Meu bebê não respondeu a alguns estímulos. Todos se desesperaram, mas, apesar de eu estar preocupada, sempre demonstrei calma.

Por causa da falta de elasticidade na pele, os movimentos da Mariana me davam a sensação de que eu estava sendo rasgada.

Suspirava, chorava escondida de tanta dor. Em meio aquele sofrimento, porém, vinha uma onda de alegria, de ver que ela estava bem e me dando forças para seguir.

Quando estava no sexto mês, os médicos consideravam um milagre a gravidez ter chegado até ali. Todos achavam que ela nasceria prematura. Fiz o enxoval, todo mundo estava apreensivo.

Os médicos queriam fazer cesárea, mas recusei. Aguentei dores, feridas na pele, e cheguei ao oitavo mês. Os médicos viram, porém, que o bebê não tinha o peso ideal para a idade gestacional.

Milagrosamente, o peso dela dobrou em uma semana e meia, mas um novo ultrassom mostrou que ela estava sentada. E minha pele só piorava.

Mas não acabou por aí. Minha pressão subiu muito e entrei em pânico, pois sabia dos riscos que eu e ela corríamos.

Me acalmei, descansei e diminui o ritmo. Foi aí que a Mariana nasceu -lindamente- com 37 semanas e meia, no dia 28 de agosto deste ano.

Meu parto foi normal, sem sofrimento, com carinho e respeito, pelas mãos de uma parteira em um hospital municipal. Minha filha nasceu saudável, com quase três quilos.

Apesar de ser arriscado, quero ser mãe de novo. Superei o que aconteceu comigo e passei a ver a vida de outra forma. Dar valor às coisas que realmente merecem valor, como família, amigos e sonhos.

Minha filha chegou para completar esse ciclo, esse meu renascimento, e me mostrar o amor de verdade. Sou grata a Deus por tudo, até pelas dores. Foram elas que abriram meus olhos para a vida.

Foi através dessas dores que reconheci os verdadeiros amigos e que tive a sorte de conhecer uma pessoa maravilhosa, companheira, compreensiva, amável, que aceita como sou sem olhar para cicatrizes ou para o passado.


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