Folha de S. Paulo


Apoiada por famosos, campanha pede fim das 'revistas íntimas' em prisões

"Bom dia. Eu disse bom dia! Tira a roupa, sem conversinha. Agacha três vezes e fica paradinha na frente do espelho para eu ver se você não está escondendo nada aí dentro."

Com aviso sobre a linguagem ofensiva, a dramatização acima é parte da campanha Fim da Revista Vexatória, lançada nesta quarta (23) na internet pela Rede Justiça Criminal, com o apoio da Defensoria Pública paulista.

O site contém áudios e vídeos que dão vida a relatos reais das "revistas íntimas", procedimento que obriga visitantes de presos a se despirem e a exporem as genitais para provar que não carregam drogas, armas ou chips de celular dentro do corpo.

O principal alvo da prática –que a ONU considera mau trato e, dependendo das circunstâncias, tortura– são as mulheres, mas homens e crianças também são submetidos à vistoria.

"Nunca vou esquecer o dia em que, mesmo depois de agachar em cima do espelho não sei quantas vezes, a agente mandou eu abrir a minha vagina para enxergar melhor", conta a diarista Maria, 50.

Por três anos e meio, ela foi uma das cerca de 400 mil pessoas que visitam presos semanalmente no Estado de São Paulo. A "humilhação" por que passava nas revistas, relata, quase fez ela desistir de ver o filho.

"Falavam que eu era mãe de vagabundo, não deixavam entrar o jumbo [sacola com alimentos]. Não queriam que eu visse como meu filho era tratado ali. Ele passava fome", diz Maria, que pede para ter seu sobrenome preservado.

Ela e outras mulheres que relataram suas experiências à campanha temem represálias. Alguns testemunhos anônimos são lidos em vídeo por artistas, como a atriz Denise Fraga e o rapper Dexter (veja abaixo).

Veja vídeo

O intuito, segundo os organizadores, é sensibilizar o público a apoiar o projeto de lei 480/2013, que proíbe revistas íntimas nas prisões de todo o país. Pelo site, é possível enviar mensagem ao presidente do Senado, Renan Calheiros, pedindo urgência na votação do projeto.

"A revista da maneira como é feita hoje é degradante e ilegal", diz o defensor público Patrick Cacicedo. Segundo ele, advogados dos presos, policiais e agentes carcerários em geral não são submetidos à mesma vistoria, apenas ao detector de metais.

Ele cita um levantamento realizado pela Rede Justiça Criminal com base em dados oficiais da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, que mostra que, entre 2010 e 2013, apenas 0,03% dos visitantes carregavam itens proibidos no corpo.

A quantidade de objetos ilegais apreendidos dentro das celas, porém, foi quatro vezes maior do que a encontrada com familiares e amigos, conforme a pesquisa.

"Se a revista não impede a entrada desses objetos, só nos resta pensar que o Estado quer expulsar os visitantes de lá, para que não vejam o regime de horror a que submete os presos", diz.


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