Folha de S. Paulo


Jovem que foi amarrado a poste teme sair de abrigo

No início do ano, o adolescente alto e magro, de 15 anos, foi pego depois de furtar um celular em uma das ruas do Flamengo, bairro da zona sul carioca, e levado mais uma vez para o Juizado de Menores. Era a sua segunda apreensão.

Poucas semanas depois, foi pego por um grupo de motoqueiros que circula pelo bairro, segundo o depoimento dele à polícia.

Foi espancado, teve as roupas arrancadas e ficou nu, sentado na calçada e preso a um poste pelo pescoço, com uma corrente de bicicleta.

Reprodução/Facebook/Yvonne Bezerra de Mello
Adolescente que foi encontrado ferido, nu e preso a um poste por um cadeado de bicicleta na semana passada, no Rio
Adolescente que foi encontrado ferido, nu e preso a um poste por um cadeado de bicicleta no Rio

"Quando olhei a cena, vi um quadro de [Jean Baptiste] Debret. Lembrei daqueles negros no pau de arara, amarrados no tronco para serem castigados a pauladas", disse a educadora Yvonne Bezerra de Mello, a primeira a socorrer o adolescente. "Faria tudo de novo", diz ela.

A imagem teve grande repercussão e suscitou debates sobre direitos humanos.

Yvonne tem longa história de defesa dos direitos de crianças e adolescentes carentes. Logo após a chacina da Candelária, em 1993, foi a ela que os sobreviventes procuraram buscando socorro.

Fundadora da ONG Uerê, trabalha com menores com dificuldade de aprendizado na favela da Maré.

Meses antes da cena que à Yvonne lembrou Debret, o adolescente fora expulso de casa, não por uma família que não soubesse mais o que fazer para controlar seus delitos, mas por um grupo de milicianos que controla a região onde ele vivia, na zona oeste do Rio.

Ele era suspeito de ter furtado a furadeira de um vizinho. A lei própria dos milicianos determinou que ele deixasse a área. Se não saísse, poderia ter fim pior.

Deixou para trás a mãe e dois irmãos, e passou a viver nas ruas da zona sul carioca com novos amigos.

De vez em quando, recolhia-se a um abrigo da prefeitura. Gostava de conversar com uma assistente social, em quem passou a confiar.

Foi a ela que o jovem procurou quando fugiu do hospital para onde foi levado, na noite de sexta (31).

Na madrugada do dia seguinte, chegou ao abrigo. Machucado, não quis contar para ninguém o que tinha acontecido com ele.

Esperou até segunda-feira, quando a assistente voltou ao trabalho. Relatou a história dos 30 motoqueiros, todos jovens, brancos, bem vestidos e fortes que o espancaram.

A história do adolescente fez surgir histórias de que um grupo estaria "policiando" por conta própria as ruas do bairro. O caso está sendo investigado pela polícia. "Não foi nenhum coitadinho preso ali", diz morador da área.

Três dias depois da agressão ao adolescente, 14 moradores do bairro foram detidos sob suspeita de estarem fazendo ameaças a pessoas que vivem na rua.

Nenhum deles foi reconhecido pelo garoto, que agora tem medo de sair do abrigo onde vive provisoriamente.


Endereço da página:

Links no texto: