Folha de S. Paulo


Cidade declara guerra ao desperdício

Baseado principalmente no constrangimento, o primeiro programa urbano de compostagem dos EUA está funcionando. Desde janeiro, ao encontrar lixeiras com alface, pizza ou restos de comida, os coletores de lixo colam adesivos vermelhos para informar a casa infratora (e todo o bairro) que a lei de compostagem foi violada.

Em um país que joga cerca de 31% de seus alimentos no lixo, a nova política de Seattle, que inclusive multará as pessoas que não fizerem compostagem, é resultado de pressões ambientais, sociais e econômicas.

Porém, a compostagem obrigatória também reflete uma mudança mais profunda, em que desperdiçar comida virou imperdoável. Administrar uma cozinha eficiente está se tornando tão satisfatório quanto a própria comida.

Esse espírito se estende dos melhores restaurantes de Manhattan às casas de pessoas comuns, como Kathleen Whitson, 44, que cozinha para sua família.

Whitson, que só descobriu o alho fresco depois que saiu da faculdade, hoje joga os restos de legumes em um balde sobre o balcão e mantém na porta da geladeira uma lista do que há no congelador. Sua culinária é mais parecida com a de sua avó do que a de sua mãe, uma mulher que, segundo ela, a criou para acreditar na magia da comida processada.

"Apesar de isso me enlouquecer às vezes, não consigo me imaginar cozinhando de outra maneira", disse Whitson.

A busca por economia e eficiência não é novidade na culinária americana. Salsicha, manteiga feita em casa e repolho fermentado foram as bases da vida agrícola, além de serem essenciais à sobrevivência na era da Depressão.

As donas de casa durante a Segunda Guerra Mundial se consideravam soldados da cozinha, tendo a conservação como grito de batalha. Nos anos 1970, a ecologia orientou para a necessidade de utilizar os restos da cozinha.

A arte da eficiência culinária se perdeu nos supermercados cheios de prateleiras de pizzas pré-assadas e alface em sacos. O jantar tem a mesma probabilidade de vir do "drive-through" que do novo bistrô da esquina ou do fogão.

Desperdiçar menos na cozinha é simplesmente economia inteligente, disse Dana Gunders, cientista de projeto do Conselho de Defesa de Recursos Naturais. Comer melhor talvez saia mais caro, disse ela, mas uma cozinheira eficiente pode fazer a diferença.

"Ficamos muito preocupadas com o preço na loja, e dez centavos nos fazem decidir entre um produto e outro", disse ela. "Mas na cozinha jogamos fora muito dinheiro com o desperdício."

Reduzir o desperdício de alimentos está entrando rapidamente na corrente dominante americana. A ideia ficou em nono lugar entre as 20 principais tendências alimentares na lista de "O que É Quente em 2015" da Associação Nacional de Restaurantes.

Frutas e legumes imperfeitos estão sendo promovidos por mercearias e organizações como endfoodwaste.org, cuja campanha nas redes sociais inclui uma série de fotos de produtos com defeitos, como as postadas em sua página no Twitter, @UglyFruitAndVeg.

Mesmo na Europa, onde pratos clássicos como "pot-au-feu" ou a sopa toscana "ribollita" surgiram de uma história de eficiência na cozinha, 2014 foi declarado o ano contra o desperdício alimentar, medida adotada seis anos depois que a União Europeia suspendeu a proibição à venda de produtos com aspecto fora do padrão. No ano passado, a rede de supermercados francesa Intermarché começou uma campanha para comemorar e vender o que chamou de "frutas e legumes inglórios", com preços e anúncios especiais.

Alguns cozinheiros já chegaram lá, disse Brandi Henderson, chef e professora de culinária, que mudou seu estilo para uma espécie de técnica estilo livre, desligada de receitas.
"Muito lixo da cozinha vem de pessoas que seguem receitas", disse ela.

"Alguém usa aquela pasta de curry estranha uma vez e depois não tem confiança para pensar: 'Puxa, esse curry é realmente bom. Vou fazer um arroz frito com ele ou refogar uns camarões'."


Endereço da página: