Folha de S. Paulo


Chef cria pratos opulentos que surpreendem por frescor

Diz a lenda, destas alimentadas por foodies ávidos em colaborar com o hype de alguns estabelecimentos, que o responsável pelas reservas do Chef's Table foi perseguido na rua por clientes mais determinados em jantar no restaurante.

Em Nova York por apenas um fim de semana, estranhei a disponibilidade de dois assentos já para o dia seguinte. Pesquisando as últimas notícias, eu me dei conta do processo judicial.

Havia lido que o chef Cesar Ramirez manda às favas o consumo local e importa do mundo todo o produto que quer, para servir "sempre o melhor". Não permite que se tome nota dos pratos nem autoriza fotos. Mas daí a racismo a distância é longa. Cogitei desistir, mas a curiosidade, e o valor já pago, falaram mais alto.

Ramirez em pessoa abriu a porta com um sorriso. Um segundo antes de entrar, pude ler a frase na parede de vidro que expunha o restaurante à rua. "Our kitchen is bigger than yours."

Sem shoyu, combinados a molhos variados, os sashimis que iniciam o jantar evidenciam a cozinha mista, japonesa de acento francês. Descritos com ênfase em sua procedência, os peixes cruzam o mundo em aviões e surpreendem por manter o frescor.

Vejo um dos funcionários tirar da gaveta refrigerada uma caixa de madeira com ideogramas. "Ouriço", penso. "Do Japão, claro." A tampa aberta revelou a perfeição dos gomos. O ouriço, "de Hokkaido", informou o auxiliar, foi servido sobre uma fatia de brioche tostado. "O que é a gota negra sobre a torrada?", perguntei. "Um molho de soja", disse o chef. "Este é o meu estilo. Eu não apenas reúno os ingredientes. Eu crio."

Na esteira do ouriço-do-mar-de-Hokkaido, recebemos pratos cujos ingredientes principais, ainda que saborosos e frescos, eram carregados de uma opulência que parecia não apenas fora de moda, mas anacrônica. Clientes do tipo "caçador de iguarias" são comuns, mas não tenho notícia de chefs mais atuais da Europa ou dos Estados Unidos que escolham servir num único menu foie gras, uni, lagosta, king crab, caviar, trufas, abalone e wagyu japonês.

Para o item seguinte, raviólis de gema delicados, quase transparentes, Ramirez tomou duas trufas negras e esgotou-as sobre os pratos. Um a um, os raviólis sumiam, enterrados sob pétalas cinzentas. "É trufa suficiente para você?!", ele me perguntou. Foi quando me percebi parte daquele circo. "Sempre quis provar esta massa", disfarcei. "Massa? Isso não é massa. É arroz. Eu não comando um restaurante italiano", e riu.

"Como estava a sua massa?", perguntou-me na sequência o gentil garçom de traços orientais, cuja presença até cairia bem numa hipotética política para limpar a barra do chef. "Massa? Que massa?", brinquei, em pensamento. "Estava ótima", respondi, retribuindo seu sorriso.

Divulgação
Lagosta do Maine do restaurante Chef's Table, em Nova York
Lagosta do Maine do restaurante Chef's Table, em Nova York

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