Folha de S. Paulo


O futebol que se joga nos clubes brasileiros é esquizofrênico

Gilvan de Souza/Flamengo/Divulgação
Vinícius Júnior domina a bola no peito durante treino do Flamengo
Vinícius Júnior domina a bola no peito durante treino do Flamengo

O futebol que se joga no Brasil, que não tem nada a ver com o da seleção, não tem identidade coletiva. É dividido, anárquico, sem saber o que quer, esquizofrênico.

Ao mesmo tempo em que surgiram vários técnicos estudiosos, atualizados, jovens ou experientes, com milhões de informações, a maneira de jogar das equipes costuma ainda ser refém dos vícios acumulados durante longo tempo, além da incapacidade de muitos treinadores fazerem com que os jogadores executem bem o que foi planejado. Não basta saber. É preciso saber fazer.

Defensores e goleiros costumam não saber o momento exato de dar um passe e o de dar um chutão. Rebatem a bola quando é para passar e passam quando é para rebater. Zagueiros, geralmente, não sabem se marcam mais à frente, para diminuir os espaços entre eles e o meio-campo, ou se marcam encostados à grande área, para não sobrar espaços nas costas. É frequente times não saberem se pressionam, se tentam ter o domínio da bola ou se recuam e a entregam ao adversário, para contra-atacar.

Os jogadores, excessivamente pressionados, costumam ser afobados, sem lucidez para tomar as decisões corretas. Fiquei preocupado ao ver o jovem Vinícius Júnior, que encantou nas categorias de base, tão agitado, confuso, uma barata tonta, querendo resolver as coisas em lances individuais. Isso pode se tornar uma postura permanente se ele não for bem orientado. Não basta treinar. É necessário ensinar.

Fora de campo, o futebol também é uma loucura, esquizofrênico. Torcedores, que querem apenas torcer e se divertir, muitas vezes com crianças, sentam-se ao lado de marginais, que querem brigar, tumultuar, e que deveriam ser proibidos de frequentar os estádios, além de serem processados e punidos.

Enquanto parte da imprensa discute com profundidade o futebol, a qualidade do espetáculo e os detalhes técnicos e táticos, vários programas esportivos diários passam a maior parte do tempo fazendo enquetes banais e votando em quem é o melhor. Na véspera da final entre Grêmio e Real Madrid, o assunto mais falado era sobre quem é melhor, Cristiano Ronaldo ou Renato Gaúcho. Constrangedor. A imprensa espanhola, perguntada sobre isso, não entendia. Nem eu, pois a comparação é absurda.

Cristiano Ronaldo está entre os maiores da história. Renato foi um excepcional atacante.

No país do futebol, chavão que não tem mais razão, é vergonhoso ver o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, ser suspenso pela Fifa e o anterior, José Maria Marin, ser julgado nos Estados Unidos. Os dois e Ricardo Teixeira são acusados de corrupção. Outra vergonha é a selvageria programada no Maracanã e no hotel onde estava hospedado o Independiente, violência que acomete outros estádios e cidades brasileiros.

Mais vergonhoso ainda são os números oficiais divulgados sobre a desigualdade, a miséria social e a violência no país, vítima de governos incompetentes, de espertalhões e da estrutura política corrompida, que domina o país há muitos anos.

KAKÁ

Kaká, 35, encerrou sua brilhante carreira. Ele se destacou muito mais pela técnica, velocidade e excepcional condição física do que pela habilidade e fantasia. Raramente driblava. Jogava a bola na frente e passava pelo jogador. Algo parecido ocorre com Cristiano Ronaldo, que tem uma técnica magistral para finalizar, de todos os jeitos, além de ser um super atleta.


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