Folha de S. Paulo


Desejo, ética e razão

Os seres humanos, mesmo os mais íntegros, vivem divididos, em conflito, entre o desejo, a ética e a razão, que, com frequência, não combinam.

Se Tite não fosse um treinador muito respeitado, seria duramente criticado por aceitar o convite da CBF, pois, recentemente, assinou um manifesto contra a entidade, com pedidos para a saída de Del Nero. Assinou, com convicção. Eu também.

Tite sonhou e se preparou para o cargo. Compreendo sua decisão, desde que não faça como Parreira, que disse que a CBF era o Brasil que deu certo. Tite deve ter pensado, com razão, que seu cargo é técnico, de campo, distante do que ocorre na diretoria.

Em 2001, antes de Felipão assumir a seleção, recusei o convite para ser diretor de seleções da CBF. Foi muito mais fácil decidir, porque era um cargo de confiança de Ricardo Teixeira, a quem criticava e sobre quem já havia muitas suspeitas de falcatruas. Na época, eu escolheria o técnico, como é habitual. Agora, é o contrário. Tite, o treinador, indicou Edu Gaspar para ser diretor de seleções. A CBF, desesperada por ter um técnico de consenso, deve ter aceitado todas as exigências.

É uma ilusão achar que Tite terá total autonomia. A CBF, como acontece com quase todas as confederações nacionais, tem contrato com empresas que planejam os amistosos e outros eventos, de acordo com seus interesses. Dizer que, com Tite, acaba a convocação de jogadores indicados por empresários é uma ofensa a Dunga, sem provas.

No campo, provavelmente, será mantido o sistema tático adotado por Dunga, desde os últimos jogos das eliminatórias, o mesmo do Corinthians, com quatro defensores, um volante, dois armadores, dois jogadores pelos lados e um centroavante (4-1-4-1). Elias e Renato Augusto, titulares com Dunga, eram também do Corinthians. Porém, mudam a maneira de conduzir o grupo, a filosofia de jogo e muitos outros detalhes que podem fazer a diferença.

Outra discussão ética, antiga e atual, é a de jogar a bola para fora, quando um jogador está caído. O que deveria ser um belo gesto de solidariedade tornou-se uma maneira de enganar a todos. O português Paulo Bento, técnico do Cruzeiro, com razão, ficou horrorizado com a sequência de simulações dos jogadores do América-MG, para parar o jogo. Isso acontece com todos os times.

Paulo Bento, para mostrar coerência, pediu que os adversários não jogassem a bola para fora, com um jogador do Cruzeiro caído no chão, e que seus atletas fariam o mesmo.

Na Eurocopa atual, há uma preocupação dos árbitros de não interromper o jogo por qualquer contusão. O público tem vaiado quando alguém joga a bola para fora. É o árbitro que decide quando parar o jogo, o que concordo. Mas há exceções. Alguns jogadores podem perceber antes do árbitro a possibilidade de algo grave, que exigiria um atendimento urgente. Neste caso, o jogador tem de dar o grito.

No esporte, o que mais estimula os atletas durante as partidas são a vitória e o sucesso. Na emoção do jogo, no desejo de vencer, os jogadores, sem querer ou querendo, esquecem a razão e a ética. Isso não atenua a responsabilidade do jogador, que tem de ser punido por seus atos ilícitos. O excesso de regrinhas atrapalha o jogo, mas, sem regras claras, é o caos.


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