Folha de S. Paulo


Roscas, trivelas e três dedos

Vinte anos atrás, quando comecei a trabalhar como comentarista, os melhores armadores, modelos para todo o mundo, eram o alemão Ballack e os ingleses Lampard e Gerrard. Os três eram altos, fortes, excelentes, marcavam e atacavam, com grande eficiência. Raramente, driblavam ou tentavam uma jogada de efeito.

Outros armadores, mais habilidosos, como Xavi e Iniesta, eram considerados pouco modernos e pouco práticos. Isso mudou, por causa das grandes atuações e conquistas do Barcelona e da seleção da Espanha.

Lembrei-me disso ao ver o excepcional e jovem meio-campista brasileiro Thiago Alcântara na seleção espanhola. Se ele tivesse sido formado no Brasil, certamente, seria hoje muito inferior ao que é, escalado como um meia ofensivo, para entrar na área, já que o meio-campo, no Brasil, foi dividido entre os volantes que marcam e os meias que atacam.

Desapareceram do futebol brasileiro os Xavis, os Iniestas, os Thiagos Alcântaras, os Rivellinos e tantos armadores talentosos, capazes de atuar de uma intermediária à outra, de driblar, de trocar passes, de ficar com bola, de dar passes de curva, de rosca, de trivela, de três dedos e tantos outros efeitos especiais. Uniam a beleza com a eficiência.

Na coluna anterior, esqueci-me de incluir a França, ao lado de Espanha e Alemanha, entre as seleções europeias com mais chances de ganhar a Eurocopa de 2016, apesar de a Inglaterra ter sido a seleção com melhores resultados.

A França, além de jogar em casa, possui um ótimo conjunto e excelentes jogadores, como Benzema, um centroavante que Espanha e Alemanha não têm. Cristiano Ronaldo deveria fazer um agradecimento público a Benzema, que, além de fazer muitos gols, dá enorme contribuição aos gols do craque português.

O centroavante brasileiro Diego Costa foi supervalorizado, mesmo em seus melhores momentos de artilheiro. Ele tem brigado mais que jogado. Atuou mal em todas as partidas que fez pela Espanha. Dizem que a Alemanha vai invadir a Polônia para anexar Lewandowski à sua seleção.

No esquema com dois volantes, um centroavante e três meias, o centroavante costuma ficar isolado, ainda mais se os meias não forem agressivos e se limitarem a ocupar suas posições. Muitos treinadores preferem ter uma dupla de atacantes e mais um meia de cada lado, que, alternadamente, se movimentem para o centro para armar as jogadas. Outra opção é adiantar um dos volantes para ser o armador pelo centro.

Como hoje os jogadores mudam demais de função e de posição durante as partidas, ficou ultrapassado avaliar a maneira de jogar pelos desenhos na prancheta. Isso serve apenas de referência para o comentarista e para o treinador.

Quando a bola rola, alguns comentaristas passam toda a partida narrando o sistema tático daquele momento, como se fosse tudo planejado e ensaiado pelos supertécnicos.

Em muitas partidas do Bayern, é impossível dizer qual foi o sistema tático mais usado. E tudo funciona muito bem. Guardiola é um desses profissionais irrequietos, com mil ideias ao mesmo tempo, sem tropeçar nelas. Outros sabem muito, mas são confusos.


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