Folha de S. Paulo


Ao vencedor, as lambidas

Observar como os cães convivem é revelador da personalidade de cada um. Há o que sai latindo ao mínimo barulho no portão, o que corre atrás, o que não liga pra confusão.

Não é diferente na hora do petisco. Alguns vão para a guerra: estão dispostos a tudo por um bifinho. Outros só pegam o que lhes dão na boca. E um terceiro grupo chega a andar para trás, abrindo mão do agrado para evitar o confronto.

Em geral, os líderes gostam de mandar e de mostrar que mandam. Mas, dentro de uma matilha, não há apenas um líder e liderados. Relações hierárquicas intermediárias se fixam sem que a gente tenha ideia.

Ilustração Elcerdo

Mike Lula, meu pastor-alemão, sempre foi um cara pacato. Com exceção do pit bull Pompom, ele nunca se indispôs com nenhum irmão. Os movimentos lentos nunca permitiram que Lula latisse na frente ou pegasse o primeiro bifinho da noite.

Quando estava sentado na varanda, as meninas (vira-latas de dez quilos) se esfregavam em seu pescoço e lambiam sua boca, sem que nada fizesse. Numa primeira olhada, Lula parecia um pau mandado.

Mas um grupo de pesquisadores holandeses revolucionou essa história. Eles observaram 16 cães recém-chegados ao canil da universidade por 323 horas e dividiram as interações sociais em 31 padrões de comportamento e de postura corporal.

Confirmaram que líderes mantêm cauda e orelhas eretas, e submissos, o rabo entre as pernas. Mas chegaram a achados curiosos. Um deles é que lamber a boca do colega e se esfregar em seu pescoço é clara demonstração de subordinação.

Ri sozinha lendo o estudo. Meu velho pastor-alemão se foi há três meses, vítima de tumor no cérebro. Para nós, os humanos, deixou muita saudade. Era doce, manso, companheiro. Mas, sei agora, deixou também um séquito de seguidoras.

Talvez por isso, desde sua morte, Sarah, a poodle mais capeta da história, esteja mais atrevida e latindo mais. Ela já parecia a líder. Agora, deve ter tomado o trono de vez.

Falta só convencer as súditas: Sarah ainda não ganha lambidinhas. Como em outros ambientes, no mundo canino, liderança não é algo que se ganhe na porrada.


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