Folha de S. Paulo


Abanem seus rabos

Pensemos no bicho homem. Diante de um outro ser, comunicamos-nos, basicamente, emitindo sons e mexendo mãos e braços. Imaginemos, então, que a espécie humana deixe de dar as cartas por aqui e que, sob domínio de tiranossauros, nossos novos donos decidam que ficamos mais bonitinhos e funcionais se não pudermos falar nem nos mover tanto. Como animais de estimação, teríamos partes do corpo amputadas. É o que fazemos com cães e gatos.

Agora, uma resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária proíbe o corte da cauda de cães por motivos estéticos. Com a decisão, a caudectomia engrossa a lista de procedimentos tidos como desnecessários e vetados no país, na qual já estão há cinco anos a cordectomia (retirada das cordas vocais), a conchectomia (corte de orelhas) e a onicectomia (extração de unhas).

A cauda é continuação da coluna vertebral. Ajuda no equilíbrio e serve à comunicação. Como espalha (ou esconde) o cheiro que identifica o cão, mexe-se amplamente quando o animal está feliz e quer ser notado, desaparecendo sob o corpo em situações de medo.

Ilustração Tiago Elcerdo

Apesar das funções, o corte da cauda é um procedimento centenário (talvez milenar). Sem ela, o animal teria menos área de apoio para ser neutralizado em batalhas e ficaria menos sujeito a sangramentos em caçadas. Mas os tempos mudaram...

Quando foi a última vez que você foi à guerra com seu boxer ou levou seu cocker para caçar? Em cães de companhia, o corte serve apenas para atender ao que se considera o melhor visual da raça.

Eis o desafio. Uma visita aos sites das associações de cinofilia evidencia que os grandes campeões são dobermans, rottweilers, yorks e boxers de cauda cortada --e que os canis mais conceituados vendem filhotes sem rabo, apesar de o procedimento ser vetado em muitos países.

Enquanto for assim, muita gente continuará cortando a cauda dos filhotes. Sem veterinário que o faça, o impasse se resolverá de forma caseira, à custa de dor, infecção e morte.


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