Folha de S. Paulo


Hora de desacelerar

Escrevo num dia chuvoso, logo após limpar a gaiola de Futum, meu frágil e pequeno hamster. Já há alguns dias Futum dá claros sinais de envelhecimento.

Hamsters vivem cerca de três anos. Isso significa que, para essas criaturinhas, uma semana equivale a uns seis meses de vida humana. Futum tem dois anos e oito meses.

Ele chegou de surpresa, numa noite de sexta-feira. Era um presente meio de grego, mas como recusar? Sua história já era cheia de cicatrizes.

De fato, ele era uma sobra. As pessoas preferem hamsters sírios de duas cores, e os amarelinhos, como ele, acabam ficando longos períodos nas lojas.

Encalhado na matriz de uma rede de pet shops, ele foi enviado para uma filial. Viajou com dezenas de outros e chegou ao destino caolho, provavelmente por uma briga.

Ilustração Tiago Elcerdo

A venda de um hamster sem olho é praticamente impossível, e ele voltou para São Paulo. Para evitar a eutanásia, teria de ser tratado com antibiótico. Mas quem pingaria o colírio quatro vezes por dia?

Foi assim que ele foi parar lá em casa. Futum sempre foi independente, agitado, comilão. Mas, de umas semanas para cá, passou a usar menos a roda de metal, a comer menos, a dormir mais.

A gaiola tubular, cheia de sobe e desce, foi remontada para ele conseguir chegar a todos os pontos: já não dá para escalar tão longe.

Quando entro no quarto onde ele fica, nem sempre sai da casinha. Antes, ao menor barulho, colocava a cabeça para fora, mexendo seus bigodinhos atrás de algum petisco. As guloseimas continuam existindo, mas por vezes ele não as enxerga.
E nem sempre tem apetite.

Hoje descobrimos que ele ainda se anima ao ser solto na cama e explorar um novo ambiente. Para ele - como para a gente -, o exercício estimula o metabolismo, ajuda o apetite e, no limite, ameniza as mazelas do envelhecimento.

Na reta final de todos nós, é isso o que resta a quem está por perto: tornar leve o desacelerar.


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