Folha de S. Paulo


Sem remédio

O uso da Ritalina -remédio indicado para o tratamento do transtorno do deficit de atenção com hiperatividade (TDAH) -tem aumentado no Brasil, principalmente entre crianças e adolescentes. Estudos apontam que, nos últimos dez anos, seu consumo cresceu quase 800%. E, já que adoramos rankings, o Brasil quase lidera a lista de países campeões no uso desse medicamento, perdendo apenas para os EUA.

Quais são as razões para tal crescimento? Por um lado, médicos afirmam que o fenômeno se deve ao maior conhecimento do TDAH e de seu diagnóstico e tratamento. Por outro, dizem que tem havido excesso de diagnósticos e de indicações da droga medicamentosa.

Nesta época do ano, muitos jovens e adultos que prestam concursos, vestibulares, exames e provas de todos os tipos recorrem ao remédio para potencializar o rendimento. "Um mês de estudo em dois dias", declarou um jovem que está usando a droga, que pode ser comprada sem receita, de várias maneiras, inclusive na rede.

Mas é sobre o uso da Ritalina com crianças que quero refletir hoje.

O pai de um garoto de dez anos, depois de passar por psicólogos, professores particulares, psiquiatra, etc., recebeu indicação médica para o uso da droga. Antes de dá-la ao filho, porém, decidiu procurar informações e constatou que não há consenso médico em relação ao diagnóstico de TDAH, tampouco em relação ao tratamento. Percebeu que era uma escolha que ele mesmo deveria fazer. Reuniu, então, a família, incluindo o filho, para debater os problemas, as dificuldades e os caminhos possíveis.

Juntos, optaram pela não medicação e pela mudança de vários aspectos familiares na relação com o garoto. Um ano após a decisão, todos estão certos de que foi o melhor caminho para eles.

A mãe de uma menina de oito anos decidiu acatar a indicação médica e ministrar o remédio para a filha. Dois meses depois, sem orientação, suspendeu a medicação por não reconhecer mais a própria filha, segundo suas palavras.

Outra mãe, que trabalha muito e sempre recebia queixas da escola, passou a dar o remédio ao filho, com receita médica, e está feliz porque –também em suas palavras– não só o garoto passou a ir bem na escola como não dá mais tanto trabalho para ela em casa.

Temos escolhido quase sempre as soluções mais rápidas e fáceis. Por isso, muitas vezes famílias e médicos optam pelo uso do medicamento. Essa é, portanto, uma questão social e não apenas médica.

Outra característica de nosso tempo é a demanda por produtividade, alto rendimento e atenção sempre focada. Se há uma droga que ajuda nesses quesitos, por que não usá-la? De novo, trata-se de uma característica social que influencia fortemente as ciências médicas.

E o que dizer da falta de paciência dos adultos em relação às crianças, do excesso de pressão que tem recaído sobre elas e da pouca disponibilidade dos pais para suportar as temporadas de preguiça, de baixo rendimento escolar e de variações de humor pelas quais, inevitavelmente, elas passam?

E a escola, que em vez de tentar se reinventar, culpa alunos e suas famílias pela aprendizagem insatisfatória ou por comportamentos que considera inadequados?

A Ritalina não é o único tratamento para crianças com diagnóstico de TDAH. Há outros, mais trabalhosos e demorados, porém mais respeitosos com a infância, que merecem ser considerados.

Pensem nisso, caros pais!


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