Na Inglaterra dos anos 1930, George Orwell descreveu a vida das famílias dos trabalhadores de minas como tenebrosas —em uma família de cinco pessoas, somente uma ainda tinha seus dentes naturais e eles não iam durar muito.
Depois da Segunda Guerra, a Inglaterra e muitos outros fizeram como o Chile, que abriu seu mercado e é hoje o país mais desenvolvido da América Latina. Já o Brasil é simplesmente o país mais fechado do mundo (exportações mais importações de bens são somente 18% do PIB). Existem vários mitos sobre abertura comercial. Está na hora de debelá-los.
1) Comércio gera desemprego.
Esse é o principal mito. Mas as evidências mostram o contrário. Abertura gera mais empregos. Não imediatamente, mas o resultado é sempre a melhor alocação de recursos.
O único possível efeito ruim é sobre a distribuição de renda: trabalhadores em setores que concorrem com importados perderiam. Mas no Brasil a desigualdade cairia, pois os setores exportadores usam relativamente mais trabalho. Abertura comercial unilateral nos moldes chilenos, com uma tarifa única de cerca de 6%, somada a maior expansão de proteção social, seria o melhor caminho para aumentar a produtividade, empregos e salários.
2) Abertura acelera a desindustrialização.
Não obstante o fato de que países podem se tornar ricos sem indústria, esse argumento só faz sentido no início do processo de industrialização. Já temos indústria diversificada, embora ineficiente.
É exatamente por estarmos fora das cadeias globais de produção que nossa indústria míngua. Várias empresas sobrevivem com baixa produtividade e sem escala, e impera a falta de dinamismo.
Começamos a proteger a indústria automobilística nos anos 1950. Lá se vão 60 anos e a Volks Brasil já pode pedir meia-entrada no cinema, mas não quer mesmo é largar seus incentivos. Temos que mudar nossa ojeriza à competição.
3) Liberalização é entregar o país aos estrangeiros.
O Brasil já recebe muito investimento do exterior, em parte porque exportar para o país é caro. Uma abertura comercial não mudaria nada —empresários brasileiros seriam mais produtivos, com a vantagem natural de conhecer o mercado.
Esse nacionalismo infantil não beneficia ninguém e somente protege o lucro dos empresários nacionais.
4) Precisamos de acesso a mercados como contrapartida.
Contrapartidas são boas quando há real integração comercial. Exemplo de como isso não funciona é o Mercosul. Cada crise gerou pressão por novas listas de exceções.
Num dia, a Argentina solicitava mais tarifas contra geladeiras vindas do Brasil. No outro, produtores brasileiros de arroz e vinho pediam proteção. Em um mundo ideal, acordos multilaterais são melhores que aberturas unilaterais. Na prática, isso só faz postergar nossa entrada nas cadeias globais de valor. Enquanto isso, o bonde da China continua passando.
Além desses mitos, outros argumentos invocam a superioridade moral de proteger os trabalhadores contra a malvada globalização.
Mas é o contrário! Adiar a integração é condenar os trabalhadores a empregos ruins e salários deprimidos, com proteção a oligopolistas ineficientes e menor criação de novas empresas. Isso sem falar nos consumidores, sem acesso a uma infinidade de opções em comparação a outros países.
Estamos empacados em um protecionismo ridículo que só nos prejudica. Só cabe a nós mudar.