Folha de S. Paulo


Empacamos em um protecionismo ridículo que só nos prejudica

Eduardo Knapp/Folhapress
Contêineres refletidos em espelho em pátio do porto de Santos (SP)
Contêineres refletidos em espelho em pátio do porto de Santos (SP)

Na Inglaterra dos anos 1930, George Orwell descreveu a vida das famílias dos trabalhadores de minas como tenebrosas —em uma família de cinco pessoas, somente uma ainda tinha seus dentes naturais e eles não iam durar muito.

Depois da Segunda Guerra, a Inglaterra e muitos outros fizeram como o Chile, que abriu seu mercado e é hoje o país mais desenvolvido da América Latina. Já o Brasil é simplesmente o país mais fechado do mundo (exportações mais importações de bens são somente 18% do PIB). Existem vários mitos sobre abertura comercial. Está na hora de debelá-los.

1) Comércio gera desemprego.

Esse é o principal mito. Mas as evidências mostram o contrário. Abertura gera mais empregos. Não imediatamente, mas o resultado é sempre a melhor alocação de recursos.

O único possível efeito ruim é sobre a distribuição de renda: trabalhadores em setores que concorrem com importados perderiam. Mas no Brasil a desigualdade cairia, pois os setores exportadores usam relativamente mais trabalho. Abertura comercial unilateral nos moldes chilenos, com uma tarifa única de cerca de 6%, somada a maior expansão de proteção social, seria o melhor caminho para aumentar a produtividade, empregos e salários.

2) Abertura acelera a desindustrialização.

Não obstante o fato de que países podem se tornar ricos sem indústria, esse argumento só faz sentido no início do processo de industrialização. Já temos indústria diversificada, embora ineficiente.

É exatamente por estarmos fora das cadeias globais de produção que nossa indústria míngua. Várias empresas sobrevivem com baixa produtividade e sem escala, e impera a falta de dinamismo.

Começamos a proteger a indústria automobilística nos anos 1950. Lá se vão 60 anos e a Volks Brasil já pode pedir meia-entrada no cinema, mas não quer mesmo é largar seus incentivos. Temos que mudar nossa ojeriza à competição.

3) Liberalização é entregar o país aos estrangeiros.

O Brasil já recebe muito investimento do exterior, em parte porque exportar para o país é caro. Uma abertura comercial não mudaria nada —empresários brasileiros seriam mais produtivos, com a vantagem natural de conhecer o mercado.

Esse nacionalismo infantil não beneficia ninguém e somente protege o lucro dos empresários nacionais.

4) Precisamos de acesso a mercados como contrapartida.

Contrapartidas são boas quando há real integração comercial. Exemplo de como isso não funciona é o Mercosul. Cada crise gerou pressão por novas listas de exceções.

Num dia, a Argentina solicitava mais tarifas contra geladeiras vindas do Brasil. No outro, produtores brasileiros de arroz e vinho pediam proteção. Em um mundo ideal, acordos multilaterais são melhores que aberturas unilaterais. Na prática, isso só faz postergar nossa entrada nas cadeias globais de valor. Enquanto isso, o bonde da China continua passando.

Além desses mitos, outros argumentos invocam a superioridade moral de proteger os trabalhadores contra a malvada globalização.

Mas é o contrário! Adiar a integração é condenar os trabalhadores a empregos ruins e salários deprimidos, com proteção a oligopolistas ineficientes e menor criação de novas empresas. Isso sem falar nos consumidores, sem acesso a uma infinidade de opções em comparação a outros países.

Estamos empacados em um protecionismo ridículo que só nos prejudica. Só cabe a nós mudar.


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