Folha de S. Paulo


Justiça à la carte

O episódio da soltura de dois indivíduos em São Paulo, até então comparados a perigosos terroristas, é um daqueles vexames difíceis de apagar.

Laudos mostraram que os supostos artefatos explosivos eram incapazes de acender uma fogueira de São João. Ainda assim, os acusados passaram 45 dias no xadrez satanizados de todos os modos possíveis.

Nada a favor de autointitulados "black blocs" e congêneres. Sua atuação, tenho certeza, só favorece adversários de manifestações e reivindicações legítimas. Fornecem munição a quem está sempre pronto a identificar democracia com baderna, demandas sociais com anarquia e os humildes com preguiçosos.

A extração social da liderança do pessoal encapuzado elimina dúvidas. Geralmente provém da classe média e se alimenta de um "sincretismo ideológico" que nada tem a ver com a história de lutas contra a exploração do homem pelo homem.

Numa abordagem complacente, são, na verdade, expressões de desespero sem rumo. Uma análise mais detalhada evidencia interesses unindo provocadores infiltrados e uma moçada da alta roda. Representantes desta última, aliás, chegaram a aparecer em listas de colaboradores da tal Sininho. De repente, sumiram do noticiário.

No saldo geral desta turma, fica apenas a oportunidade que dão aos liberticidas de recorrerem a expedientes autoritários. Inquéritos baseados em depoimentos solitários, provas fraudadas e declarações espantosas como as do governador paulista, Geraldo Alckmin: "Por que a polícia plantaria provas contra alguém? Imagine".

Que o digam os milhares de sem mídia da periferia presos com base em depoimentos de um único policial –isto para não citar os mortos nas mesmas condições.

Para comprovar que a Justiça tem razões que só o dinheiro explica, na mesma semana o Ministério Público denunciou um grupo de fiscais e familiares pela fraude de impostos na Prefeitura de São Paulo.

Foram precisos quinze meses –na verdade, bem mais, porque a quadrilha age há muito mais tempo no submundo da burocracia municipal. Bem, antes tarde do que nunca. Mas algo chama a atenção nisso. A promotoria concluiu que empresas que irrigaram a propinoduto foram "vítimas" do bando.

Como assim? O sujeito te pede um por fora, você paga e tudo bem. Pergunta: por que não denunciou o esquema? Não estamos falando da gente pobre obrigada a pagar milicianos cariocas para escapar do cemitério. Nada disso.

No caso de São Paulo, são grandes –e põe grande nisso– conglomerados que ficaram de bico calado. Em vez de reclamar da tramoia, preferiram o caminho mais fácil e rentável. Viraram cúmplices da roubalheira, mas nos autos aparecem como... vítimas. Dá para acreditar?

PETROBRAS E INFLAÇÃO

Fomos informados nos jornais de sábado (9/8) que a inflação de julho foi zero, menor índice em quatro anos. Quer dizer, soube disso o público que não leu só as manchetes dos principais jornais. Estas preferiram destacar a investida de Obama no Iraque e a queda no lucro da Petrobras. Atenção: lucro menor, não prejuízo. Dá para entender como isto pode ser mais importante que a notícia sobre os preços, que afeta 100% da população?

CENAS DE CAMPANHA

O horário gratuito vai começar daqui a pouco, mas antes disso já temos cenas inusitadas. Aécio Neves abraçando operários, Eduardo Campos desmentindo aumento da gasolina defendido abertamente por sua equipe de campanha e até Dilma fazendo reverência a Deus. Pelo jeito assunto não vai faltar.


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