Folha de S. Paulo


Notícias da Redação

Da CPI do Narcotráfico às mensalidades escolares, são muitos os assuntos em pauta. Dentro das Redações, no entanto, há duas semanas existe um só. "Você já leu o livro?" É a pergunta que mais se ouve.

O livro é "Notícias do Planalto", do jornalista Mario Sergio Conti, 719 páginas que buscam radiografar as relações da imprensa com Fernando Collor no período que vai de sua ascensão em Alagoas até o afastamento da Presidência.

A excitação é compreensível. Tanto ou mais do que o ex-presidente, os personagens são os jornalistas e os proprietários dos veículos de comunicação.

Alguns estão lisonjeados pela maneira como aparecem no relato de Conti, ex-diretor de Redação de "Veja". Outros se consideram injustamente esquecidos. É matéria em que não se poderia esperar consenso.
"Notícias do Planalto" foi feito a partir de 141 entrevistas e de pesquisa em jornais e revistas da época. Relaciona ainda, em sua bibliografia, perto de uma centena de livros.

O resultado ilumina a história recente do país e mostra como a imprensa toma suas decisões _por que as notícias são ou deixam de ser buscadas, por que, uma vez encontradas, são ou deixam de ser veiculadas, e como adquirem a feição com que chegam ao público.

Funciona também como uma espécie de guia para entender o raciocínio dos donos da mídia, suas semelhanças e as peculiaridades de cada um. Não faltam, portanto, motivos para ler "Notícias do Planalto".

Mas há aspectos incômodos na reação despertada pelo livro. Um deles é a expiação coletiva que caracteriza algumas resenhas. "Fizemos" Collor. "Erramos". Não "alertamos" o leitor/ telespectador para a farsa do "caçador de marajás".

Por que tanto plural? Não resta dúvida quanto à participação da imprensa no processo, mas a diluição de responsabilidades dá a entender que os veículos se comportaram todos da mesma forma.

Não foi assim. Da revelação, ainda na campanha, do acordo de Collor com os usineiros de Alagoas (Folha), às primeiras reportagens, mais de dois anos antes do impeachment, sobre a rede de corrupção montada por PC Farias ("Isto É"), muita coisa foi publicada.

No outro extremo, houve os que só se mexeram depois do estrago causado pela entrevista de Pedro Collor a "Veja".

Um subproduto da expiação coletiva é a idéia, igualmente repetida nos últimos dias, de que a promiscuidade nas relações entre poder e imprensa seria coisa do passado, porque "FHC é diferente".

De fato é, mas isso não resolve o problema da manipulação e do favorecimento. As ligações da imprensa com o atual governo são muito mais sólidas do que as que foram estabelecidas com Collor.

Um caso relatado no livro causou barulho. Em 1989, o jornalista Mário Alberto de Almeida, hoje diretor de Redação da "Gazeta Mercantil", teria oferecido US$ 250 mil a Augusto Nunes, na época à frente de "O Estado de S. Paulo", em troca de textos favoráveis ao então ministro Iris Rezende.

Almeida nega ter feito a proposta. Nunes diz que a recebeu e recusou.

Conti menciona duas reportagens de "Veja" simpáticas a Rezende veiculadas nos meses seguintes. Relaciona as coisas de modo a sugerir que seu antecessor no comando de "Veja", José Roberto Guzzo, poderia ter aceito oferta semelhante. A direção da editora Abril nega.

Na entrevista que deu à Folha a propósito do lançamento do livro, Conti disse que não conseguiu apurar a história, e que publicou apenas o que sabia. A pergunta é inevitável: se é verdade que não sabe mais, por que fez a insinuação?

Ao longo do livro, o autor evita emitir juízos e tomar partido. Em certa medida, esse é um dos atrativos do texto. Não procura dar lições, e sim contar como as coisas acontecem.

Ao mesmo tempo, tanto distanciamento acaba dando aparência de normalidade a toda sorte de expedientes utilizados por jornalistas. Deixa no ar a idéia de que, à exceção de levar dinheiro, vale tudo para conseguir um furo.

Caso 1: na campanha de 1989, um editor-chefe sabia que o responsável pela sucursal de Brasília mantinha relações mais do que estreitas com o candidato Collor. O editor-chefe não via problema, explica Conti, porque o diretor "vinha abastecendo o jornal de notícias, algumas delas exclusivas".

Caso 2: durante o governo, Conti ligou para Claudio Humberto e lhe disse que "Veja" não registraria a descoberta da Folha de que os gastos de cartão de crédito do porta-voz de Collor eram incompatíveis com sua renda. Claudio Humberto ficou agradecido. Tornou-se boa fonte.

Na semana passada, quando o jornalista repetiu o caso acima no programa "Observatório da Imprensa" (TV Cultura), um dos participantes do debate lhe perguntou em tom camarada: "Quem não fez isso uma vez na vida?".
Bem, muita gente séria, que sai à procura de notícia e dá furo, mas não aceita esse tipo de barganha.

Está na entrevista da Folha a declaração mais comentada de Conti: "Collor se fez em função de jornalistas, não de patrões".

O autor retomou o raciocínio no "Observatório". Disse que o ex-presidente seduziu jornalistas quando ainda era um governador desconhecido, e com a ajuda deles construiu a imagem de político modernizador. Só mais tarde, bem posto nas pesquisas e diante da alternativa Lula/Brizola, teria recebido combustível dos empresários de comunicação.

A tese parece tão redutora quanto seria seu avesso: supor que os donos fizeram Collor sem a participação de jornalistas.

Várias análises apresentaram "Notícias do Planalto" como uma "devassa" na imprensa. Os comentários publicados em sua maioria bastante positivos usaram termos como "demolidor" e "explosivo".

O livro tem uma série de méritos, mas não é essa sua natureza. O quadro que desenha é simpático à imprensa, a começar pelos perfis de seus proprietários. O de Roberto Marinho não seria mais elogioso se tivesse sido escrito por alguém das Organizações Globo.

Não é muito diferente com os jornalistas. Poucos saem chamuscados do livro. Dos feridos, quase nenhum joga atualmente no "time principal".

Não significa que "Notícias do Planalto" precisasse empilhar cadáveres ilustres para ser bom. Mas não há motivo para falar em explosivos. No dia em que alguém explodir a casa da imprensa, não vai haver tanta gente fazendo festa.


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