Folha de S. Paulo


Síndrome de chute

Pânico é palavra que impressiona. Não é medo qualquer, explica o "Aurélio": "provoca uma reação desordenada, individual ou coletiva, de propagação rápida". Por seu conteúdo e sonoridade, é palavra que ajuda a levantar títulos.

No domingo passado, a Primeira Página e a capa do terceiro caderno anunciaram que os paulistanos estão em pânico por causa dos fugitivos da Febem. Não assustados. Nem amedrontados. "Em pânico."
Na tentativa de sustentar sua conclusão, a reportagem alinhavou o seguinte:

a) frases de um punhado de moradores. Uma disse ter visto vários ex-internos na rua. Outro afirmou ter certeza de que foram eles os autores de duas tentativas de assalto que havia sofrido. Outra estava "paranóica" com a situação;

b) frases de autoridades e especialistas. Uma secretária de Estado reconheceu que "os menores fugitivos podem provocar medo na população". Um sociólogo concedeu que "há motivo para se preocupar";

c) enquete. Postada no cruzamento entre as avenidas Rebouças e Henrique Schaumann, a repórter da Folha constatou que, de 40 motoristas entrevistados, 37 "disseram estar assustados";

d) observação. Ainda no cruzamento, a repórter notou que "quase todos estão com os vidros fechados e as portas travadas, e se recusam a abrir para estranhos".

A fragilidade da costura feita pelo jornal é evidente. O temor manifestado nas declarações dos moradores merece crédito e registro, mas, sozinho, não justifica o "pânico" do título.

Dali ele espirrou para sucessivas menções no texto, feitas mais pela Folha do que por seus entrevistados.

Havia também uma "síndrome do pânico de fugitivos da Febem" e várias referências a "paranóia".

Não é preciso ser do ramo para perceber a inadequação desses termos aos casos descritos. Basta abrir um dicionário e observar o comportamento médio das pessoas na rua.
Quanto às frases de autoridades, foram visivelmente "recortadas" para caber na conclusão do jornal.

No mais, não imagino que outra coisa se esperava ouvir em um dos cruzamentos mais visados da cidade, nem de onde foi tirada a idéia de que antes da onda de fugas os paulistanos circulavam despreocupados, com janelas abertas e portas destravadas.

A própria reportagem foi obrigada a reconhecer que a polícia ainda não tinha detectado "se houve ou não aumento no número de crimes".

No meio da semana apareceu um percentual. A Secretaria da Segurança falou em 10% de crescimento nos delitos cometidos por menores em determinado período de setembro. "Aparentemente, as grandes fugas tiveram alguma coisa a ver com isso", disse o secretário.

Apesar do caráter fluido da declaração e da ausência de maiores explicações sobre o número, a imprensa o engoliu sem muitas perguntas.

Não se trata de subestimar a falência do modelo da Febem ou a presença de cerca de 500 de seus adolescentes no quadro já explosivo das ruas de São Paulo.

A reportagem de domingo passado partiu de uma preocupação real, manifestada por muita gente e alimentada, nos dias anteriores, por alguns casos de violência que chegaram ao noticiário e que tiveram participação (nem sempre comprovada) de fugitivos.

Mas o jornal não pode reproduzir como manchete o depoimento de meia dúzia de pessoas, ainda que digam o que sentem. Tem de avaliar o problema com o máximo de elementos que puder reunir e oferecer reflexão sobre ele. Se não for assim, fará apenas uma versão piorada das enquetes de rua que aparecem na TV.


Endereço da página: