Folha de S. Paulo


Tamanho não é documento

Às 6h30 de quinta-feira comecei a ler o caderno Real em Crise, que reunia o noticiário sobre a desvalorização da moeda brasileira e a troca de comando no Banco Central.
Terminei 1 hora e 20 minutos depois, com a sensação de que, para chegar a uma compreensão razoável do que o jornal tinha a dizer a respeito do assunto, não havia caminho mais curto. Era preciso encarar as 14 páginas.

Se é muito para mim, que estava cumprindo uma de minhas tarefas diárias, imagino que possa ser ainda mais para o leitor da Folha, que tem de encaixar a leitura entre todos os seus compromissos.
De acordo com o levantamento mais recente, ele gasta, em média, 41 minutos com o jornal nos dias de semana.

Não pretendo afirmar que o produto deveria ser limitado a algo que possa ser consumido nesse intervalo de tempo. Dias especiais e a definição se aplica a vários da semana que passou pedem atenção especial.

Espaço é um dos instrumentos de que o jornal dispõe para organizar a informação e "torná-la mais compreensível em seus nexos e articulações", como pede o projeto editorial da Folha.
Mas não é o único. E, sozinho, não garante qualidade.
Na quinta-feira, os principais diferenciais da Folha em relação aos concorrentes eram o editorial na Primeira Página e as análises oferecidas por seus colunistas.
Do ponto de vista informativo, no entanto, a situação era de equilíbrio, especialmente com "O Globo", cada um melhor em alguns pontos e pior em outros.
Deixando as comparações de lado, o Real em Crise tinha problemas que seu gigantismo não conseguia ocultar.

Um deles era uma grande quantidade de coisas fora de lugar: consequências das mudanças no câmbio registradas em Dinheiro, e não no caderno especial; explicações sobre a queda de Gustavo Franco em páginas diferentes; repercussões de natureza semelhante dispersas em vários textos.

Não acho que isso seja detalhe. Edição desorganizada é desserviço ao leitor.

Ainda mais criticável era o acanhamento do caderno em um aspecto caro à Folha: didatismo.

Estavam ali as traduções de praxe para verbetes como "bandas cambiais" e "déficit em transações correntes".
Mas o entendimento que o leitor procura vai muito além do significado dos termos. Diante da abundância de sinais, agora emitidos até pelo governo, de que a situação é grave, o leigo quer saber, em português claro, o que diabos está acontecendo.

Vale registrar que a cobertura, sob esse ponto de vista, melhorou bastante na sexta-feira.
Mas é possível avançar mais. Chama a atenção, nos últimos dias, a frequência com que aparecem e-mails com perguntas de telespectadores brasileiros no serviço de esclarecimento de dúvidas da CNN. A Folha poderia oferecer a mesma possibilidade a seu leitor, a exemplo do que faz, todo ano, com o Imposto de Renda.

De volta à questão do noticiário quilométrico, disse à Redação, na crítica interna, que não gostaria que meu comentário fosse entendido como um elogio à superficialidade. Não se trata disso.
Se é para ser generoso na distribuição de espaço, que seja com um assunto merecedor de tratamento extensivo. É o caso deste, sem dúvida.

Apenas temo, porque já vi isso ocorrer, que a profusão de textos seja usada como argumento para concluir que "demos um banho" na concorrência. O método tranquiliza o jornalista, mas não resolve o problema do leitor.
É um modelo de cobertura que terá, necessariamente, de ser repensado, seja porque a limitação de papel tende a crescer, seja porque a disponibilidade de tempo do leitor tende a diminuir.
Na sexta-feira, um colega disse ter encontrado, em uma única reportagem do "New York Times", mais esclarecimentos sobre a crise do que em todos os textos noticiosos de jornais brasileiros naquele dia. Ele não falava de volume de dados, mas de informação articulada.

De fato, a referida matéria (na qual FHC era chamado de Francisco Henrique Cardoso), assim como as de outros diários estrangeiros que a Folha resumiu em um grande quadro, permitiam ver com mais clareza, entre outras coisas, que se caminhava inevitavelmente para a liberação do câmbio, apesar das declarações em contrário do novo presidente do BC.
Seria interessante tentar entender por que isso acontece.

Na teoria, os jornais brasileiros estão mais bem equipados para tratar do assunto. E não faltam exemplos de reportagens superficiais ou mesmo equivocadas sobre o país na imprensa internacional.
Mas, no caso da deterioração do quadro econômico, a proximidade da imprensa local com o tema costuma resultar em sua excessiva contaminação pelo discurso oficial.
Quem torce menos, contra ou a favor, informa mais.
*
A Folha escorregou em sua edição de quarta-feira.
Na noite anterior havia obtido, assim como "O Globo", a notícia da queda de Gustavo Franco e de sua substituição por Francisco Lopes.

Em vez de dar a ela a manchete que merecia, o jornal optou por uma chamada simples, destacando em seu título principal que o "país estuda renegociar metas com o FMI".
Bem fez "O Globo", que conferiu visibilidade máxima à informação, errando apenas ao anunciar mais de uma vez exclusividade que não houve.

s Decepcionada com a Folha, uma leitora disse ter beirado a ira no dia seguinte, quando descobriu, no Datadia, que 88% dos entrevistados haviam considerado a manchete do FMI "adequada". Ela confessou à ombudsman não saber se estava mais irritada com os leitores ou com o jornal.

Sugiro que ela inocente os leitores. A pergunta feita no levantamento diário comporta quatro respostas (as outras são "sensacionalista", "mais ou menos" e "não sabe") e diz respeito ao enunciado da manchete, não à escolha de seu tema.

Quanto ao jornal, imagino que tenha amargado a oportunidade perdida. A Redação sabe muito bem que notícia como essa não passa na porta todo dia.


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