Folha de S. Paulo


Sua vez

De observações dos leitores nasce boa parte das colunas publicadas neste espaço. Em outras ocasiões, elas surgem de preocupações da ombudsman. Mesmo nesses casos, comentários que recebo costumam estar presentes no texto. Não raro, eles analisam a Folha com palavras melhores do que as minhas.

Mas o que consigo trazer para a coluna nem se aproxima do volume que chega. Um, dois, no máximo três leitores participam a cada domingo.
Eles integram um total de 7.076 manifestações enviadas, de 1º de janeiro até quarta-feira passada, ao Departamento de Ombudsman (assumi a função no início de março). Houve aumento de 17% em relação a 1997.

Decidi aproveitar a última coluna do ano para tornar pública uma pequena fração dessa correspondência.
Como de hábito, os leitores não serão identificados. Em parte, a praxe atende a pedido de muitos dos que procuram a ombudsman. Também serve para dar o mesmo peso ao que dizem anônimos e conhecidos.

A seleção não pretende funcionar como retrospectiva das coberturas jornalísticas que marcaram o período.
Várias acabaram ficando de fora.

Os depoimentos não refletem, necessariamente, a opinião da ombudsman. Tentei escolher os que me pareceram de algum modo exemplificar reclamações recorrentes.
*

OFICIALISMO - "É comum abrir a Folha e ler: 'Ministro critica 2o grau', 'Ministro critica universidades'. Pois bem, alguém pode me dizer se já saiu algo como: 'Ministros e deputados estão aquém da expectativa?' "
(27 de março, sobre a cobertura do movimento nas universidades federais)

COMPORTAMENTO - "Abrir três páginas da edição de domingo para falar de sadomasoquismo e ainda considerar que isso faz parte do 'cotidiano' dos leitores me parece sem sentido. Pegam duas ou três pessoas que tenham vivido experiências semelhantes e criam uma matéria com destaque sobre qualquer assunto, do tipo 'meu marido me traiu com a melhor amiga'. Desculpe, mas acho que estão desperdiçando papel e tinta."
(15 de setembro, sobre reportagem que anunciava "moda" de práticas sadomasoquistas)

FAMOSOS - "A Folha deu hoje na Primeira Página: ''A filha de Xuxa é parecida com o pai'. E daí?"
(29 de julho, sobre a chamada de capa noticiando o nascimento de Sasha)

FINAL DA COPA - "Como será difícil esclarecer o que realmente aconteceu, proponho liberar todos _jornalistas, atletas, comissão técnica, dirigentes, empresários do esporte_da responsabilidade de dar respostas, e convidar aqueles que gostariam de dizer algo e não podem para realizar um ensaio literário sobre a mentira."
(15 de julho, sobre o problema com Ronaldinho)

INTERESSE DO LEITOR - "Não sei a que tipo de pessoas a imprensa se dirige, mas gostaria de esclarecer que, para 99% da população, não interessa se tentaram barrar a privatização da Telebrás, se foi o maior leilão do planeta, se vão valorizar as ações, se o comprador é estrangeiro, o que a viúva de Motta pediu a FHC. Nossa maior preocupação é quanto às linhas."
(25 de julho, sobre a privatização da Telebrás)

PLURALISMO - "Isenção e independência não significam necessariamente editar todo um caderno contra as medidas propostas pelo governo.
Será que não existe ninguém fora do governo que considere as medidas necessárias e articuladas?
O impacto negativo das medidas sobre a economia e sobre o bolso do cidadão, que certamente existe, está bem retratado. Ponto para a Folha. Ótimo para os leitores. Mas será que o jornal flagrou um raro momento de unanimidade na opinião pública?"

(29 de outubro, sobre o caderno especial apresentando as medidas do pacote fiscal)
"A Folha incutiu nas mentes dos brasileiros a premência de fazer determinadas reformas, como se fossem pontos pacíficos, incontestáveis. Julgando-se detentor da verdade, o jornal vem restringindo progressivamente o espaço para questionamento."
(4 de novembro, sobre as reformas constitucionais)

TRANSPARÊNCIA - "As explicações técnicas sobre a metodologia das pesquisas, quando aparecem junto com a divulgação de resultados, vêm no pé das matérias, em corpo menor e em linguagem ininteligível para o leigo.
Por outro lado, nas manchetes tudo é conclusivo e cheio de certezas."
(13 de outubro, sobre a polêmica em torno das pesquisas eleitorais)
"É óbvio que muita gente se precipitou ao confrontar apurações parciais com resultados de pesquisas. Mas, se nenhum resultado previsto pelo Datafolha foi alterado, mesmo quando a margem de erro foi ultrapassada, o instituto não deveria se vangloriar disso, mas apenas respirar aliviado."
(8 de outubro, idem)

COMO FICOU? - "Os jornais nunca fecham os grandes escândalos que ajudam a abrir."
(18 de outubro, sobre o conflito entre as versões da Folha e de Luiz Carlos Mendonça de Barros a respeito de quem pagou a hospedagem do ex-ministro em Madri)

GRAMPOS E DOSSIÊS - "A chamou B para avisar C, mas ninguém chamou um repórter, um editor, ou reclamou para o bispo. A falou com B, que falou com C, e ninguém viu. Eu sou o marido traído. A Folha criticou, com razão, o excesso de marketing na campanha. Mas que havia espaço para jornalismo, havia. Só que não foi feito."
(12 de novembro, sobre o fato de que políticos e jornalistas tinham conhecimento, antes das eleições, da existência do chamado dossiê Cayman)

OMBUDSMAN - "Tenho dúvidas sobre o interesse final de sua função. A cada domingo, leio suas repetidas críticas aos erros éticos e práticos dos jornalistas da Folha, mas em nada isso se traduz em um mínimo de melhoria nos padrões do jornal. No fim, parece que o ombudsman é inútil, criando nada mais do que expectativa frustrada."
(15 de outubro)

Essa é uma queixa antiga. Para que serve, afinal, um ombudsman, se a Redação parece ignorar o que ele diz?
Sem ter a pretensão de julgar melhor do que o leitor, gostaria apenas de dizer o seguinte: os erros se repetem, quanto a isso não há dúvida, mas mudanças de atitude, para melhor, acontecem no jornal.
Às vezes com a contribuição da ombudsman. Às vezes sem ela. O certo é que as mudanças são mais perceptíveis quanto maior for a fiscalização do leitor. Por isso, espero continuar contando com suas cobranças em janeiro.
*
Agradeço aos três leitores que telefonaram para avisar que errei, na coluna de domingo passado, ao chamar Aparecida, no Vale do Paraíba, de Aparecida do Norte.
Um deles, professor universitário, tentou me confortar argumentando que o equívoco é bastante comum (de fato, apenas no arquivo eletrônico das edições deste ano da Folha encontrei 72 menções com essa grafia, embora o "Manual da Redação" registre a correta).

Segundo o leitor, a origem do nome falso e famoso está em uma canção de Tonico e Tinoco. Em busca de algo para rimar com "transporte", a dupla acrescentou o "do Norte" à cidade da basílica. Pegou.


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