Folha de S. Paulo


A colagem do PT

Não foi a primeira vez em que as palavras de um ombudsman da Folha foram usadas contra o jornal. Acredito que não será a última.

Ainda assim, a cirurgia operada pelo Partido dos Trabalhadores no que escrevi neste espaço em 23 de agosto exige que as coisas sejam recolocadas em seus devidos lugares.
Como a maioria dos leitores deve saber, o PT solicitou ao Tribunal Superior Eleitoral, no final da semana passada, direito de resposta contra reportagem publicada na Folha em 26 de agosto, sob o título ''Lula não registrou venda de terreno da mulher''.

O texto informava que a propriedade, de acordo com o candidato vendida para pagar parte de um apartamento em São Bernardo, permanece em nome de sua mulher, Marisa, e de irmãos dela.
No entender do partido, o jornal invadiu a privacidade de Lula ao pedir que este apresentasse documentos que comprovassem a transação. Ministro-auxiliar do TSE concedeu o direito de resposta ao PT. Depois, suspendeu a decisão até que o plenário do tribunal analise o recurso apresentado pela Folha.

O jornal argumenta que o partido não apontou quais seriam as inverdades ou ofensas contidas na reportagem.

No texto que espera ver publicado como direito de resposta, o PT pinça frases da ombudsman na tentativa de mostrar que elas expressariam posição semelhante à sua no que diz respeito ao terreno.
A transposição tem um defeito de origem: nada escrevi, na coluna mencionada, sobre a reportagem em questão, publicada três dias depois.
Tampouco, naquele artigo, eu "alertava o jornal dos erros e das precipitações nas matérias veiculadas'', no plural.

O que fiz foi analisar o tropeço da Folha na reportagem ''Carro de Lula foi para doador eleitoral'', de 15 de agosto.
Para quem não se lembra, ela afirmava, com base em registro do Detran, que o Omega do candidato (o outro bem apresentado como fonte de recursos para aquisição do apartamento) tivera destino diverso do informado por ele.

Nova busca nos arquivos, motivada por queixa do PT, revelou que Lula não vendera o carro para a Baralt Comércio de Veículos, diferentemente do que fôra publicado. O jornal se viu obrigado a desmentir sua manchete.

Depois de reconstituir os bastidores da reportagem, concluí que a Folha se precipitou ao publicá-la com base apenas no registro do Detran. A informação deveria ter sido cruzada com outras fontes. Era necessário ouvir Lula.

Ponderei que esse cuidado, regra básica de jornalismo sério, deve ser redobrado em campanhas eleitorais.
Em alguns casos, escrevi, denúncias podem mudar o rumo de uma eleição, e, se isso acontece, a retificação não repara o dano.

Na versão "editada'' do PT sempre tão atento às distorções da imprensa quando ocorrem em seu prejuízo deu-se a entender que eu considerara o desmentido da Folha insuficiente.
No domingo seguinte, não tratei da reportagem sobre o terreno por um motivo simples: penso que se trata de caso diferente daquele que resultou na manchete errada.

Em primeiro lugar, não me parece ter havido pressa do jornal em publicar a história, ancorada, à diferença do que aconteceu no episódio do Omega, em documento obtido de forma oficial, o que significa maior segurança.

Em segundo, dessa vez não se atropelou a etapa de ouvir Lula. Quem decidiu não se manifestar foi o candidato, procurado durante uma semana pela Folha.
O PT achou por bem recorrer à Justiça Eleitoral. Exerce seu direito. Isso não significa que a avaliação feita pela ombudsman por ocasião da reportagem do carro possa ser automaticamente transportada para o caso do terreno.

Por fim, é incômodo que minhas observações tenham servido para ilustrar uma tese da qual discordo: a de que o patrimônio de candidato à Presidência é assunto que não diz respeito ao interesse público.

O PT não pensava dessa forma quando vasculhava contas do dentista de Rosane Collor e demais subterrâneos das despesas da Casa da Dinda.

Arbitrariedades da imprensa devem ser apontadas e coibidas. O que não tem sentido é se agarrar ao fantasma da Escola Base como faz o PT agora, como fez a indústria farmacêutica no caso dos anticoncepcionais de farinha apenas para evitar perguntas que não se quer responder.

Assim como considerei que a Folha agiu mal com Lula no episódio do Omega, não hesitarei em manifestar a mesma posição quando o noticiário do jornal me der motivo. Mas pretendo fazê-lo com minhas próprias palavras, e não com colagens preparadas para atender às conveniências do PT.


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