Folha de S. Paulo


Agora começou

Esqueça a idéia de que a campanha eleitoral só começaria depois da Copa do Mundo. A cobertura esportiva terá de dividir espaço com a sucessão, porque, como avisou ontem a manchete da Folha em letras maiores do que as habituais, "Lula encosta em FHC''.

A mais recente pesquisa Datafolha sobre intenção de voto para presidente mostra os dois candidatos favoritos, há um mês separados por 17 pontos, no limite do empate técnico.
A notícia chega para o leitor da Folha como a peça que faltava para completar um quebra-cabeça. Nos últimos dias, ele encontrou nas páginas do noticiário político diversas referências a "pesquisas apontando queda de Fernando Henrique Cardoso''.

Sem explicação adicional. Como se todos soubessem de que se tratava. O problema é que o leitor não sabia. Tratava-se de levantamento feito pelo instituto Vox Populi, o primeiro a detectar queda mais acentuada de FHC. Foi publicado no dia 21 pelo "Correio Braziliense''. O resultado dava ao presidente 34% das intenções de voto, contra 25% para Lula.

O Vox Populi é o instituto de Belo Horizonte dirigido por Marcos Coimbra, filho do cunhado do ex-presidente Fernando Collor. Depois de chegar aos números por outras vias, um leitor protestou junto à ombudsman por ter encontrado menções mais explícitas apenas "em colunas e no Painel''. Sugeriu que o silêncio seria indício de favorecimento a FHC. Neste caso, não penso que seja assim.
Mas o episódio levanta uma questão que poderá ser recorrente durante a campanha, e que por isso merece atenção da ombudsman. Há 15 anos, a Folha utiliza em suas coberturas eleitorais as pesquisas do Datafolha, e o faz não apenas porque o instituto pertence ao grupo empresarial que edita o jornal.

O Datafolha construiu nesse período um patrimônio de confiabilidade testado em disputas acirradas. Foi o primeiro instituto, por exemplo, a registrar a ultrapassagem de Luiza Erundina sobre Paulo Maluf na eleição municipal de 1988. Em 1989, seu trabalho permitiu à Folha cravar sozinha, no dia seguinte ao da realização do primeiro turno, que seria Lula o adversário de Collor no segundo.

Foi também o primeiro a captar a dianteira de Luiz Antônio Fleury na corrida para o governo paulista em 1990, um resultado que lhe valeu críticas de institutos concorrentes, mais tarde obrigados a referendar o diagnóstico. Quando divulga os números do Datafolha, o jornal sabe de que maneira eles foram obtidos.

Uma publicação não pode arriscar sua credibilidade orientando-se por percentuais pinçados da mídia. A Folha costuma registrar resultados de outros institutos no Painel, seção dedicada aos bastidores da política. A norma, porém, não é rígida.

O levantamento do Vox Populi e suas repercussões geraram mais de uma nota, mas o nome do instituto e os números não foram divulgados (ontem o Painel trouxe novos resultados do Vox Populi, 29% e 26%, desta vez com todas as informações).

Embora sirva ao propósito de preservar a coerência editorial, a fórmula da Folha me parece insuficiente nos casos em que os desdobramentos extrapolam a estatística.

Nos últimos dias, todo o noticiário político foi, em alguma medida, influenciado pelos resultados do Vox Populi. Somados a outros indicadores, eles levaram aliados a pedir a FHC "humildade'' e "mudança de postura''. Também ajudaram a explicar a entrevista coletiva de quarta-feira no Alvorada. No campo adversário, Lula não teria passado o trator sobre Vladimir Palmeira e os adeptos da candidatura própria no Rio com tanta facilidade se o PT não tivesse enxergado luz no fim do túnel.

Tudo isso foi noticiado pela Folha, mas o leitor não pôde ter o quadro completo para entender o que se passava. Defendo que, toda vez que os dados de um levantamento forem relevantes para a compreensão da notícia, o jornal os apresente na reportagem com clareza, ainda que provenientes de outros institutos.

Se o presidente declara que não está preocupado com seu declínio nas intenções de voto, a frase deveria vir acompanhada de uma explicação do tipo: "FHC se refere a pesquisa do instituto A, que o aponta com X%, contra Y% para seu principal adversário''.

Pronto. Qual é o problema? A atitude transparente em nada desvaloriza as pesquisas que o jornal publica. É necessária para que o leitor não se sinta como alguém que encontra os outros rindo de uma piada cujo sentido lhe escapa.

O aquecimento da campanha e o cronograma nem sempre coincidente dos institutos de pesquisa darão origem a novos episódios como esse. No momento, a repercussão se dá sobre os resultados do Datafolha, que captam, além da queda de FHC, a subida de Lula a partir da migração de votos do tucano.

Se a pesquisa gerar fatos políticos importantes, os outros jornais irão associá-los às conclusões do Datafolha? Provavelmente não, mas não é pela atitude dos concorrentes que a Folha deve se pautar, e sim pelo compromisso que tem com seu leitor.
Ele saberá reconhecer a diferença.


Endereço da página: