Folha de S. Paulo


Obsessão de bilionária brasileira por duquesa do século 16 vira perfume

Uma nasceu em Veneza em 1548, era uma linda viúva e se casou com Francisco 1º de Médici (1541-1587), nobre da família dos grandes patronos do Renascimento. A outra nasceu no Rio de Janeiro em 1962 e se casou com o bilionário e historiador americano Michael Naify.

A biografia das duas mulheres se une quando a segunda, a brasileira Simone Cosac Naify, 52, vaga ao lado da primeira, Bianca Cappello (1548-1587), em um sonho pelos jardins da Villa La Tana, nas colinas de Florença.

"Nós duas passeávamos, ela vestida de roupa de época, e eu, de jeans, enquanto Bianca ia me falando de flores e especiarias", relata Simone, atual dona da propriedade que, no século 16, foi presenteada pelo grão-duque florentino à amante veneziana.

Ao despertar do sonho, a brasileira anotou os detalhes daquele "encontro" com a personagem histórica que teve um fim trágico. Bianca e Francisco 1º morreram no mesmo dia, em meio a intrigas familiares e políticas, provavelmente envenenados por arsênico. Um mistério que ainda perdura.

"Bianca virou uma obsessão para mim", diz a atual senhora da "villa medicea" (como são chamadas os complexos arquitetônicos rurais que pertenceram aos Médici).

SONHO PERFUMADO

Aquele sonho se transformou em perfume. E fez Simone, formada em direito e pós-graduada em publicidade e design gráfico, embarcar no ramo da perfumaria exclusiva. "Eu não entendia nada de perfume, mas resolvi mostrar para um especialista minhas anotações." Levada a um perfumista, a "receita" que teria sido revelada, em espírito, por Bianca Cappello ganhou sua primeira versão artesanal.

Começava ali uma viagem olfativa, com o assessoramento de mestres da perfumaria florentina, que se tornaria um negócio. "Parece um perfume antigo, evoca o passado", diz Simone, ao definir o Perle di Bianca, o primeiro produto da Simone Cosac Profumi.

A versão final da fragrância levou um ano para ficar pronta e só foi lançada em 2008, preservando os odores ditados no sonho: uma mescla de cítricos, jasmim e especiarias. "As notas de todos os nossos perfumes são provenientes daquele jardim, onde foram plantadas as mesmas flores que existiam no século 16", conta a brasileira.

ATELIÊ DE LUXO

O cenário de um dos mais famosos romances do Renascimento é inspirador. Do alto de La Tana (armadilha, em italiano), vislumbra-se o centro histórico de Florença, onde se destaca a visão frontal do Duomo, a catedral em estilo gótico cuja cúpula foi desenhada por Brunelleschi.

Além de residência de verão dos Cosac Naify, a vila hoje é também um misto de ateliê e showroom de luxo. Os clientes precisam marcar hora para visitar os jardins e comprar os perfumes e óleos perfumados inspirados no Renascimento.

A companhia de perfumes se desenvolve no mesmo local onde Bianca Cappello e Francisco de Médice fizeram aflorar seu romance secreto. "Um amor mal compreendido pela sociedade, mas capaz de quebrar qualquer fronteira política ou social", resume Simone.

Ali também cresceram os três filhos de Simone e Michael. Com a entrada dos dois maiores na universidade há três anos, a família se transferiu em definitivo para os Estados Unidos.

Desde que se casou com o herdeiro da gigante United Artist Communications, a brasileira se divide entre a Itália e EUA, com passagens pelo Brasil para visitar a mãe, Vitória.

Simone vive atualmente em São Francisco com o marido e a filha caçula. Mais precisamente em Ross, um vilarejo em frente à Golden Gate, onde não é permitida a circulação de caminhões. "É um dos únicos lugares nos Estados Unidos onde temos que ir buscar cartas na agência do correio. Não há entregas."

É de lá que ela comanda o negócio de perfume, equilibrando-se na diferença de fuso horário com a Itália para lidar com a equipe que trabalha na Villa La Tana. No final de maio, ela embarca para Dubai para lançar as novas linhas da Simone Cosac Profumi.

Houve uma tentativa de trazer as fragrâncias exclusivas para o Brasil em 2011, mas a brasileira desistiu quando fez as contas. Com as taxas de importação, o Perle di Bianca chegaria aqui a R$ 800, mais que o dobro do valor comercializado lá fora.

TRADIÇÃO

Filha de uma tradicional família de origem sírio-libanesa, Simone teve uma educação rígida. "Era impensável para o meu pai que eu fosse cursar faculdade no Rio", diz ela, sobre seu Mustafá, o patriarca que morreu em 2011.

"Ele foi uma figura muito importante na minha vida para o bem e para o mal", emociona-se. "Foi muito repressivo, autoritário, mas era também um homem muito especial e admirável."

O pai imigrante, que fez fortuna com mineração, era um defensor das tradições árabes. "Um fenômeno interessante da imigração é que a família que emigra tende a ser mais fechada do que se estivesse na própria terra. Para manter os costumes, há um certo radicalismo", afirma Simone, que se considera parecida com o pai em alguns aspectos, "mesmo tendo sido contra ele em tantos outros".

Ela seguiu os ditames paternos e concluiu os estudos em Petrópolis, onde a família residia. Só depois de formada se transferiu para a capital fluminense, contra a vontade de seu Mustafá. Lá, estagiou no escritório do criminalista Arthur Lavigne, pai de Paula e ex-sogro de Caetano Veloso.

A incursão foi traumática. "Não aguentei lidar com a violência do Rio", admite. Foi vítima de tortura psicológica em uma delegacia. "Os policiais me trancaram numa sala fechada. Eu tinha 21 anos e fiquei tão assustada que desisti da área penal."

Antes, atuara como voluntária na defensoria pública. "Fiquei mal quando ajudei a condenar um jovem a 16 anos por homicídio." Meses depois, recebeu uma notícia tranquilizadora: a de que o processo foi revisto.

Tinha 28 anos, quando aceitou o pedido de casamento de Michael e começou vida nova nos EUA. O cupido foi o irmão, Charles, colega de faculdade do americano, também de origem libanesa. Charles e Michael são sócios na editora Cosac Naify, referência em livros de arte.

E como em um conto de fadas moderno, o casal se mudou para a Itália 18 anos atrás. Michael compartilha com a mulher a paixão pela restauração de vilas medievais. O caminho que os levou até Bianca Cappello.


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