Folha de S. Paulo


Até quando Cristina Kirchner fica no poder?

Deixou de ser tabu na Argentina falar na abreviação do mandato da presidente Cristina Kirchner, que só termina oficialmente em outubro do ano que vem. Antigos aliados pedem sua saída e argumentam que "o governo ruma para se estatelar", enquanto membros do governo avisam: "não se iludam, não vamos sair antes de 2015".

Uma conversa informal com dirigentes de empresas que também operam na Argentina revela um quadro assustador. Apesar de toda a turbulência que um golpe de Estado provoca, paralisando os negócios, os empresários já começam a preferir que esse caminho para gerar um "novo ciclo virtuoso" na economia.

No final da tarde de ontem, pouco após cair uma chuva torrencial na cidade, um alto executivo dizia para a colunista, sob a condição de anonimato, que a Argentina hoje tem, na sua opinião, dois caminhos, e ambos rumam para a saída prematura de Cristina.

No primeiro, o governo faz a coisa "certa" e restringe os aumentos salariais, para tentar evitar que a inflação dispare, após a desvalorização do peso promovida nas últimas semanas. Permitir que o câmbio se desvalorize foi o único caminho para tentar sanar a sangria de reservas internacionais.

Com menos poder de compra por causa da moeda fraca e da perda de valor dos salários, os argentinos vão reduzir o consumo, deprimindo a economia. Neste cenário, avalia o executivo, Cristina estaria fora "em seis meses".

No segundo cenário, o governo vai empurrando a situação "com a barriga" e permite que a inflação atinja níveis ainda mais complicados que os 30% atuais. O resultado também é a redução do poder de consumo da população, corroído pela inflação e pelo peso enfraquecido. Nesta hipótese, demoraria um pouco mais, mas a mandatária argentina também seria "apeada" do poder pelos "panelaços".

Os argentinos estão bastante insatisfeitos com a situação do país, que ruma rapidamente para se tornar uma Venezuela, com produtos importados sumindo das prateleiras e as pessoas impedidas de comprar dólares. Agora as empresas também estão irritadas com a falta de dólares no Banco Central (BC), que já avisou que não vai mais liberar divisas para as importações.

O mais assustador é verificar que as empresas não enxergam um golpe de Estado com o pior cenário para a Argentina. A avaliação do executivo é que pode ser até positivo, porque a "crise não dura mais de seis meses" e um novo presidente teria espaço para, por exemplo, retirar o imposto de exportação sobre a soja.

Essa medida poderia levar os sojicultores a voltar a exportar, trazendo dólares para o país. Hoje os agricultores estão "sentados" em cima da safra, que se transformou numa reserva de valor em moeda forte. O problema é que Cristina não tem condições políticas de tomar uma decisão como essa.

É triste ver o país vizinho rumando, novamente, para o abismo. Talvez o Brasil possa ajudar, com uma linha de crédito que dê algum fôlego para Cristina. Por mais besteiras que a equipe econômica argentina tenha feito, a perspectiva de saída de um presidente democraticamente eleito antes da hora não é saudável para nenhuma democracia.


Endereço da página: