Folha de S. Paulo


O alambrado é a lei

A decisão de instalar as torcidas visitantes no anel inferior das arenas de Corinthians e Palmeiras era um dos argumentos da diretoria de segurança da Federação Paulista para defender a torcida única nos clássicos.

Balela! Nos clássicos Manchester United x Manchester City, a torcida visitante fica bem perto do campo. Só vão os hooligans, mas ninguém ameaça invadir o campo.

A este argumento, o diretor de segurança da federação, Marcos Marinho, responde: "Lá, o alambrado é a lei!"

A frase significa que quem colocar o pé no campo está preso e condenado na Inglaterra. Aqui...

Bem, aqui há também assassinos do dia a dia soltos. Só não é mais verdade absoluta que todos os crimes ligados ao futebol estão impunes.

Em 17 de agosto de 2014, o professor Gilberto Torres Pereira foi assassinado numa briga entre corintianos e palmeirenses em Franco da Rocha. Acusado pelo homicídio, o ex-vereador de Francisco Morato, Raimundo César Faustino, está preso.

Era uma briga entre corintianos e palmeirenses. Detalhe: naquele dia, o clássico era São Paulo x Palmeiras.

A questão não é a torcida visitante, hoje liberada.

É possível listar outras brigas de palmeirense e corintianos que não tinham nada a ver com o estádio. Em 2011, Douglas Karim foi morto e atirado no rio Tietê na noite de 28 de agosto, depois da última vitória do Palmeiras sobre o Corinthians. O clássico aconteceu em Presidente Prudente, a 512 km do local do crime.

Torcida única não resolveria.

A histórica incapacidade da Justiça brasileira para colocar criminosos atrás das grades só é menos grave, no caso do futebol, que a incompetência para informar as prisões.

A impunidade não é total, mas a sensação de impunidade é de 100%.

E então os (ir)responsáveis por organizar o futebol põem a culpa nas novas arenas e quase criam a torcida única.

O discurso até faz certo sentido: "Como aqui a Justiça não funciona, temos de nos antecipar", diz Marcos Marinho. Quer dizer que vamos viver para sempre num país sem lei?

Na madrugada de 25 de janeiro, o corintiano Felipe, conhecido como Dime, foi assassinado numa briga com palmeirenses. Dois dias antes, o temor da federação era haver clássico na final da Copa São Paulo de Juniores.

O Palmeiras foi eliminado e a decisão foi Corinthians x Botafogo-SP. Teve morte mesmo assim! Não foi no estádio nem por causa do jogo!

O Palmeiras defende a torcida única para vender ingressos no estádio inteiro. Foi a mesma razão de o São Paulo parar de dividir o Morumbi ao meio, em 2009 –a arquibancada passou a ter espaço para sócios-torcedores.

Não pode ser pelo comércio. Tem de ser pela vida. E a saída não é fazer de conta que as mortes são por causa dos estádios. A única solução é prender os assassinos.


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