Folha de S. Paulo


Aprendendo a cozinhar nos anos 1960

Tadeu Brunelli/Divulgação

Casei com 19 anos e bem burra. Não tinha noção de cozinha, mas gostava de comer. A mãe era boa dona de casa, comidinha simples e gostosa que ela ensinava para alguma moça que chegava do interior. Aos domingos fazia o almoço, repetitivo, mas por isso mesmo bom, empadinhas de camarão que se desmanchavam na boca e frango assado, dourado.

Nos anos 1960, eu me vi ignorante na cozinha e noiva, coisa que não combinava na época. Era difícil estudar sobre comida, havia professoras caseiras, mãe de amigas, uma revista semanal ("O Cruzeiro") com uma página de receitas, escrita por Helena Sangirardi. E revistas maravilhosas, americanas –a "Good Housekeeping" e a "Ladie's Home Journal". Estavam a cem anos luz das revistas daqui, e era lá que tinha que me inspirar.

O noivo não era muito ligado em comida, comia de tudo e vinha de uma casa onde se cozinhava maravilhosamente bem. A futura sogra montou um caderno com suas receitas, e só percebi que estavam todas erradas pela cara dele, que não reconhecia nenhuma. Lembro que tinha cones de massa recheados com creme de aspargos e bolinhas doces de parmesão, um doce em calda realmente delicioso.

As receitas americanas tinham nomes esdrúxulos, fantasiosos, e eram seguidas sem que eu tivesse noção de onde iam dar –ainda tenho um caderno em que, debaixo de uma sobremesa "Surprise!", meu pai escreveu "O chamado pudim de pão".

O que aprendíamos, então? Arroz com feijão, jamais, mas eram comidos todos os dias. As receitas mais festivas eram salada de batatas com maionese, tudo cortado muito certo em cubos, camarões ao curry e leite de coco, abóbora recheada com camarões (nada contra, mas a repetição matava).

Com esse cardápio, casei, e com uma receita de atum em lata com brócolis ao forno que teria sido inventada pelo demônio para desfazer casamentos. O apartamento era de móveis copiados de uma das tais revistas, inspirados no apartamento da Elizabeth Taylor, nossa musa.

Sempre odiei acordar muito cedo, mas cumpria minha missão de recém-casada levantando junto com o marido, numa camisola decolleté, de rendas e cetim que se arrastava pelo chão, com um boleador na mão para transformar em bolinhas o melão e o mamão que o marido comia.

Até o dia que ele implorou para que eu deixasse em paz as frutas, que ele gostava mesmo era em boas e polpudas fatias. Meio ofendida, mas supinamente aliviada, recolhi-me ao leito com a camisola rabuda.

E fui descobrindo coisas. Ele gostava de comida seca e eu de comida molhada, e nada que se descobria seria proibido comer hoje. A não ser o macarrão. Engatinhávamos no macarrão, sem saber o que era al dente. E além de tudo misturava-se a ele, que ainda não fora apelidado de pasta, um pouco de tudo, com predominância de ervilhas em lata e creme de leite, polvilhado de queijo ralado.

Era levado ao forno até que começasse a ficar preto nas bordas. E as bordas era o que havia de mais gostoso. Risoto não existia, era arroz de forno. Aliás, na Itália, ou em alguns lugares da Itália, esse arroz de forno é chamado de risoto. Muito e muito tempo levaríamos para chegar ao arbóreo.

Usava-se muita ameixa preta, tanto nos doces como acompanhando salgados. Coisas novas apareciam em latas. Vejo uma reportagem com o título "O que faríamos sem os pêssegos em lata?" e imediatamente me lembro deles, lindos, perfeitos, sem gosto. Bacon sempre ajudou a dar sabor em tudo. Nos Estados Unidos, comia-se carne moída todo dia, bolo de carne, carne misturada ao arroz, nas célebres casseroles, que eram um prato único que a dona de casa misturava geralmente tirando os ingredientes das latas.

Quando queríamos arrasar era com haddock e alcaparras, muita gelatina colorida sustentando legumes e frutas.

As festas infantis eram bem mais simples. Pensando bem, o que mais evoluiu foi a pâtisserie, os bolos decorados, pois nos contentávamos com docinhos feitos em casa, olho de sogra, cajuzinhos, cocadas. E sanduíches em triângulos com patê e abertos com uma florzinha de tomate e uma salsa fazendo de haste, com guaraná morno. Me lembro de uma festinha gloriosa com um caramanchão de cachos de uvas-passas recheadas de cocada amarela. E o doce de leite feito dentro da lata de leite condensado, que se cozinhava no feijão diário?

O estrogonofe desponta com fúria, caminha para a glória e mal sabia que seria tachado de brega per saecula saeculorum e comido escondido até hoje com muita batata palha.

Na verdade, a comida de todo dia era arroz, feijão, uma salada, um legume, e uma ave, ou peixe, ou carne. Picadinhos, batata frita, bife, isso que comemos até hoje, sem esquecer a farofa, mas que vai desaparecendo pelo número de panelas e o tempo para se fazer tanta coisa.

Já começávamos a querer comidas de outros países, mas jamais alguém provara um sushi, diferentemente da cozinha chinesa, que fazia sucesso com seus dados de abacaxi com porco, dados de galinha com amendoim e camarão empanado com o biscoitinho da sorte no final e a sobremesa de maçã caramelada ou banana.

Vocês acreditam que gosto disso tudo, sem esquecer as sopas: creme de lentilhas, ervilhas, com croûtons? Enfim, o que há de ruim numa salada de batatas bem feita, um lombinho ou um rosbife, um suflê de milho, a salada de alface e tomates e de sobremesa um pudim de leite com ou sem furinhos? E assim caminha a humanidade.


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