Folha de S. Paulo


Quem precisa de Obama? Microsoft e Google começam a ceder

Os americanos não deram maior atenção ao discurso de Obama sobre o escândalo NSA. Segundo o Pew, 8% disseram ter ouvido "bastante" e 41% "um pouco". Desses que ouviram, 73% disseram que suas promessas não farão "nenhuma diferença".

Da "New Yorker" ao "Daily Show", a recepção de mídia foi ainda pior: o que Obama prometeu depende do Congresso, onde não passa, e o discurso foi só uma nova fraude oratória do presidente americano.

Mas para o Brasil o discurso é revelador. Obama fez menção à espionagem na Alemanha Oriental, em deferência a Angela Merkel. Em seguida falou à alemã ZDF : "Enquanto eu for presidente, a chanceler alemã não terá de se preocupar com isso". Dias antes, havia ligado para ela e convidado para uma visita a Washington.

Quanto ao Brasil, onde Dilma e o governo são até mais espionados, nem palavra. Ou melhor, talvez indiretamente, diante da espionagem na Petrobras, Obama afirmou: "Não coletamos inteligência para fornecer vantagem competitiva às empresas americanas".

Assim como a promessa de não escutar mais as ligações de líderes "próximos", foi golpe de oratória, mas que Dilma procurou estimular. "É um primeiro passo. O governo brasileiro irá acompanhar com extrema atenção os desdobramentos práticos do discurso", disse o porta-voz Thomas Traumann.

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Muito mais importantes são os desdobramentos práticos do Brasil: do cancelamento da visita a Washington à escolha do caça sueco sobre o americano, mas também outros pouco destacados -quando não atacados- na cobertura. Eles reagem em âmbito técnico aos programas da NSA.

Os dois principais envolvem evitar os EUA, fisicamente. No primeiro, a Telebras anunciou na semana passada um "cabo estratégico" para a Europa. Hoje, "600 vezes o tráfego de comunicação entre Brasil e Europa passa pelos EUA e apenas uma vez ele vai direto" e no meio do caminho é coletado pela NSA.

O segundo projeto, informado pela Telebras à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), "possibilitará acesso às redes na costa do Pacífico". Ele atende ao propósito da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) de "interligação de comunicações da região sem escala nos EUA", de acordo com o site Convergência Digital.

O projeto também permitirá acesso do Brasil ao datacenter do Google no Chile, o primeiro da empresa na América Latina, a ser aberto neste ano.

Google, Microsoft e outras gigantes americanas estão na origem do escândalo NSA, pelo contrato que assinaram com a agência para a coleta de dados dos clientes. Pelo que indica agora a Telebras, o Google passaria a armazenar dados dos brasileiros no Chile, não mais em seus datacenters americanos.

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Não por acaso, a Microsoft anuncia na manchete de hoje do "Financial Times" que vai oferecer aos usuários de fora dos EUA a opção de armazenarem seus dados em datacenters localizados nos próprios países ou regiões. Em entrevista, seu advogado geral não esconde ser resposta ao Brasil.

De acordo com Brad Smith, "embora muitas empresas de tecnologia tenham se oposto à ideia, ela se tornou necessária depois dos vazamentos que mostraram que a Agência de Segurança Nacional dos EUA vinha monitorando os dados de cidadãos estrangeiros do Brasil à União Europeia".

A exigência de armazenamento local está no projeto de lei do governo brasileiro que, segundo o "FT", levou as gigantes de tecnologia a se manifestarem contra a ideia em dezembro. A Microsoft, com sua decisão agora, "rompe fileiras".

Pelo que Smith relata, o sistema seria semelhante àquele do datacenter do Google no Chile. No caso europeu, os usuários da Microsoft poderiam optar pelo armazenamento em seu datacenter já em funcionamento na Irlanda. Conclui o advogado geral da Microsoft:

"O nosso setor inteiro está preocupado que clientes fora dos EUA estejam se sentindo menos confiantes hoje com os serviços on-line [americanos]. Os acontecimentos do último ano minam parte dessa confiança, e essa é uma das razões por que novos passos são necessários."


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