Folha de S. Paulo


A gripe de Levy

Poucas horas antes do anúncio do corte de R$ 69,9 bilhões no orçamento federal, nesta sexta-feira (22), o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, avisou a seus colegas de que não compareceria à entrevista coletiva para formalizar a tesourada nos gastos públicos.

O titular da equipe econômica alegou duas razões para sua ausência: uma gripe braba e o receio de que sua presença levasse os jornalistas a perguntar exclusivamente sobre elevação de impostos. Desculpa fraca nos dois casos.

Brabo mesmo não era o resfriado. Era o estado de ânimo do ministro, incomodadíssimo com a falta de empenho do PT e de integrantes da própria Esplanada ao propósito do arrocho para ajustar o caixa da União.

Levy, mesmo tomando analgésicos e tossindo em aparições para as câmeras, não estava exatamente abatido no "dia D" do anúncio a ponto de ir pra casa repousar ou visitar um médico.

Ao contrário. Ficou no seu gabinete, a poucos metros de onde o ministro Nelson Barbosa (Planejamento) liderava sozinho a coletiva à imprensa, acompanhando tudo da televisão. Em outras palavras, estava trabalhando.

Não era o caso de vencer o corpo mole e comparecer ao evento para evitar especulações sobre sua saída? A resposta já foi dada por esta Folha.

Levy queria que seu gesto, para não chamar de rebeldia, forçasse o apoio público do governo a seu desenho de arrocho fiscal, o que, de fato, aconteceu. Há quem diga que a estratégia é justificável. Afinal, sem um corte real e duro, a economia brasileira vai mesmo para o buraco.

Mas pode um ministro da Fazenda executar uma jogada assim?

Levy sabia que seu W.O no anúncio do corte alimentaria especulações sobre sua saída e mexeria de forma ruim com o mercado financeiro. Ele até conseguiu o que queria: tirar o Palácio do Planalto do silêncio e passar a imagem de embarque integral em sua agenda. Mas a que preço?

Não dá para um chefe da equipe econômica se dar ao luxo de atuar assim, sob risco de parecer birra, mesmo a intenção sendo nobre.

Pois birra mexe com o dólar, faz operadores levarem vantagens financeiras em especulações. Birra faz acentuar a imagem de uma presidente da República refém de um único ministro.

Quando um árbitro aceita apitar um jogo, espera-se que ele vigie a partida, não que a desorganize. Vamos ver como será da próxima vez que Joaquim Levy for contrariado.

Será que a gripe volta?


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