Folha de S. Paulo


Novos tempos, novos heróis

A primeira temporada da série "24 Horas" estava pronta, esperando o dia 6 de novembro de 2001 para estrear, quando aconteceu o 11 de Setembro. Os executivos da Fox entraram em pânico, achando que o público americano, naquele momento, iria rejeitar o drama protagonizado pelo agente Jack Bauer (Kiefer Sutherland).

Diante da tragédia real, muita gente imaginou que a televisão iria responder com programação alto-astral e comédias, não com a história pesada de um agente tentando salvar a vida do presidente dos Estados Unidos. Para piorar, no primeiro episódio, um avião explodia –a cena foi refeita, naturalmente.

"Não podíamos imaginar que ia acontecer o contrário, que Jack Bauer iria representar este papel catártico, o do homem capaz não apenas de deter os vilões como também de revigorar o que foi um grande fracasso de inteligência", diz Howard Gordon, um dos produtores da série.

Em visita ao Brasil, para participar do Rio Content Market, uma feira de negócios do mercado audiovisual, Gordon foi homenageado com o título de "hitmaker", o fazedor de sucessos, por seus trabalhos –ele também foi roteirista de "Arquivo X", produziu "Homeland", "Tyrant" e está envolvido na produção de "24: Legacy", uma nova versão de "24 Horas".

Diante de um currículo destes, perguntei a Gordon por qual trabalho, em particular, ele gostaria de ser lembrado. Ele saiu pela tangente, falando que gosta mais sempre do filho que está por perto, mas acredito que nenhuma das outras séries teve a importância e a repercussão de "24 Horas".

Jack Bauer foi uma espécie de John Wayne da primeira década do século 21. Como Gordon observou, num primeiro momento, o herói da série ajudou a curar as feridas do 11 de Setembro. Lá pela quarta temporada, diante do fiasco americano no Iraque, e dos horrores relatados em Guantanamo, "24 Horas" passou a ser vista como uma série não apenas conivente, mas eventualmente incentivadora do uso de tortura contra inimigos.

Os EUA passaram a discutir seriamente a "islamofobia" no país e a série se tornou alvo fácil dos críticos. Gordon se defende, dizendo que obviamente não pretendeu ser preconceituoso em momento algum, mas reconhece as razões de quem se ofendeu com o estilo pouco sutil de seu herói.

Não é qualquer programa de televisão, ainda mais uma série de ficção, que se torna tema do debate político e de costumes de um país. Gordon apenas sorriu quando fiz essa observação.

Foram oito temporadas, entre 2001 e 2010, mais uma minissérie ("Viva um Novo Dia") em 2014. No ano seguinte, sob supervisão de Gordon, um "remake" de "24 Horas" foi ao ar na Índia. O programa já está na segunda temporada lá.

Já no fim de 2016, ou no início do ano que vem, deve estrear "24: Legacy", uma nova versão da série, com outro protagonista, o agente Eric Carter (vivido por Corey Hawkins).

Além da aposentadoria de Jack Bauer, desde o nascimento deste projeto, a Fox buscava um ator negro para encarnar o personagem, num esforço, como revelou o produtor, de refletir melhor a diversidade. Novos tempos, novos heróis.


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