Folha de S. Paulo


Globalização perde força e já não impulsiona o crescimento mundial

Greg Baker / AFP
Líderes de Estados durante reunião do G20 na China
Líderes de Estados durante reunião do G20 na China

A maré da globalização virou? Trata-se de uma questão vitalmente importante. A resposta está estreitamente associada ao estado da economia mundial e da política do Ocidente.

As migrações despertam questões específicas. A era da globalização não veio acompanhada de um compromisso geral para com a liberalização dos fluxos de pessoas. Por isso me concentrarei aqui nos fluxos de comércio e capital. Os indícios quanto a essas áreas parecem bastante claros. A globalização chegou a um patamar e, em certas áreas, começa a se reverter.

Uma análise do Instituto Peterson de Economia Internacional argumenta que a relação entre o comércio e a produção mundial não se altera desde 2008, o que faz deste o mais longo período de estagnação desse indicador desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com a Global Trade Alert, até mesmo o volume do comércio mundial se estagnou, entre janeiro de 2015 e março de 2016, ainda que a economia do planeta tivesse continuado a crescer. O estoque de ativos financeiros transnacionais chegou a um valor de pico equivalente a 57% da produção mundial em 2007, e caiu a 36% em 2015. Por fim, os influxos de investimento estrangeiro direto se mantiveram bem abaixo dos 3,3% da produção mundial que atingiram em 2007, ainda que o estoque continue a crescer, embora lentamente, com relação à produção.

Assim, o ímpeto para uma maior integração econômica se atenuou, e em alguns aspectos entrou em reversão. A globalização já não impulsiona o crescimento mundial. Se esse processo estiver de fato chegando ao fim, ou mesmo entrando em reversão, essa não seria a primeira vez, desde a revolução industrial do começo do século 19. Outro período de globalização, em uma era de impérios, ocorreu no fim do século 19. A Primeira Guerra Mundial pôs fim a ele e a Grande Depressão o destruiu. Um dos focos da política econômica e externa dos Estados Unidos, depois de 1945, era recriar a economia mundial, mas dessa vez entre Estados soberanos e guiada por instituições econômicas internacionais. Se Donald Trump, que adotou o protecionismo e denegriu as instituições mundiais, vier a ser eleito presidente, em novembro, isso representaria um repúdio ao enfoque primário da política norte-americana no pós-guerra.

Dado o registro histórico e a atual situação política quanto ao comércio internacional, especialmente nos Estados Unidos, é natural perguntar se o mesmo poderia acontecer com a era mais recente de globalização. Isso requer que compreendamos seus propulsores.

Parte do motivo para a desaceleração é que muitas oportunidades estão, se não esgotadas, ao menos radicalmente reduzidas. Quando, por exemplo, a produção de praticamente todas as indústrias que requerem uso intensivo de mão de obra já foi transferida para fora dos países ricos, é inevitável que o crescimento no comércio desses produtos se reduza. De forma semelhante, quando o maior boom de investimento na história do planeta, o da China nas últimas décadas, se desacelera, a demanda por muitas commodities passa pelo mesmo processo. Isso afetará tanto os seus preços quanto as suas quantidades. Uma vez mais, o fim de um boom de crédito mundial de dimensões que só acontecem uma vez na vida certamente conduzirá ao declínio na retenção de ativos financeiros transnacionais. Por fim, depois de décadas de investimento estrangeiro direto, uma legião de empresas com algo a ganhar desse processo já terá aproveitado sua oportunidade e encontrado sucesso ou, em alguns casos importantes, fracassado.

No entanto isso não é tudo que a história em questão representa. A liberalização do comércio internacional travou, e se pode ver uma ascensão firme nas medidas protecionistas. A crise financeira resultou em medidas regulatórias, muitas das quais devem desacelerar os fluxos financeiros transnacionais. A ascensão de sentimentos xenofóbicos e a desaceleração no comércio internacional devem ambas reduzir o crescimento no investimento estrangeiro direto. Em resumo, as políticas públicas são hoje menos favoráveis.

E a política está seguindo o mesmo caminho de maneira ainda mais intensa. Uma vez mais, os Estados Unidos são a peça central nessa história. Trump é de longe o candidato mais protecionista à Presidência desde os anos 30. Mas um dado revelador é que Hillary Clinton, uma das arquitetas da "virada para a Ásia" na política externa dos Estados Unidos, agora se opõe à Parceria Transpacífico, que no passado ela apoiava vigorosamente. A Parceria Comercial e de Investimento Transatlântica que está em negociação entre os Estados Unidos e a União Europeia enfrenta sérias dificuldades. A Rodada Doha de negociações multilaterais de comércio internacional está moribunda. Acima de tudo, segmentos importantes do público ocidental já não acreditam que ampliar o comércio internacional os beneficie. Dados sobre rendas reais e sobre ajustes à alta nas importações oferecem alguma sustentação a esse ceticismo.

A globalização na melhor das hipóteses está travada. Será que pode entrar em reversão? Sim. Ela requer paz entre as grandes potências. Há quem possa argumentar que também requer uma potência hegemônica: o Reino Unido antes de 2014 e os Estados Unidos depois de 1945. Em um momento de mau desempenho econômico nas principais economias de alta renda, de crescente desigualdade e de viradas fortes no balanço mundial de poder, outro colapso deve ser considerado possível. Considere o impacto de qualquer combate entre os Estados Unidos e a China quanto ao Mar da China Meridional, ainda que uma calamidade como essa deva ser considerada como aterrorizante por motivos que vão muito além de efeitos comerciais estreitos.

A estagnação na globalização importa? Sim. A era da globalização viu a primeira queda na desigualdade mundial de rendas domiciliares desde o começo do século 19. De 1980 a 2015, a renda mundial média subiu em 120%. As oportunidades que a globalização oferece são vitais. Nosso futuro não pode se basear em nos fecharmos uns aos outros.

A falha —e uma falha profunda— está em não garantir que os ganhos fossem compartilhados de maneira mais ampla, especialmente dentro das economias de alta renda. Igualmente lastimável foi a falha em proteger as pessoas afetadas de maneira adversa. Mas não podemos deter a mudança econômica. Além disso, o impacto da produtividade crescente e das novas tecnologias sobre o emprego e o salário excedeu em muito o da alta nas importações. A globalização não deve ser tornada um bode expiatório para tudo que nos aflige.

Mas ela está travada, agora, e o mesmo se aplica às políticas públicas que a propeliam. No entanto, essa paralisação retarda o progresso econômico e reduz as oportunidades dos pobres do planeta. Levar adiante a globalização requer políticas internas e externas diferentes das adotadas no passado. O futuro da globalização depende de uma gestão melhor. Isso acontecerá? Infelizmente não estou otimista.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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